segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

# 22






transatlantique.



segunda-feira, 30 de novembro de 2009

deluge



dans l'escalier, des mains attendent l'eau qui arrive
l'eau qui arrive et envahie
envahie le corps qui attend des mains
demain, dans l'escalier.


*

dilúvio

na escada, mãos esperam a água que chega
a água que chega e invade
invade o corpo que espera mãos
amanhã, na escada.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

# 21







“let the seasons begin”.



quinta-feira, 19 de novembro de 2009

[ночь]




da nuca suspira o grito dos desesperados. nas mãos, esse sufoco intenso, a fuga doce do que não se pediu pra ficar. e no silêncio de quem é cúmplice e se espelha nos tetos à luz cerrada, um abismo se funde e a separação parte. é o não-crer no não-possível, o não-saber mais saber-crer.



(e pingaram arco-íris na realidade).



terça-feira, 3 de novembro de 2009

# 20





“das raízes negras e suaves do mundo”.



(clarice lispector, trecho de conto)



sábado, 24 de outubro de 2009

dos oceanos.




na destoada tempestade, confusão de mãos e dentes. a perda sempre tão intensa. o prender do vermelho-verde-azul pra desenlaçar o branco, marcar nuvens, fechar as palavras na impossibilidade do possível. (e tantas pontes pensas) no sutil esquecimento em vento, poeira, morte. o nunca.
somos sós,
do medo.
dos oceanos quebrados.
da imensidão da nunca eternidade.



precisamos de barcos.



(ainda há barcos?)

...





sexta-feira, 25 de setembro de 2009

“uma coisa, despretensiosa”


Na obra de arte autêntica o artista inventa sempre. Uma vez terminada, a obra torna-se outra coisa. Pois, de uma forma ou de outra, a arte é sempre um começo*. Quem disse isto não foi uma mulher: foi Picasso. Um que agüentava melhor do que ninguém o desafio de começar do nada, a partir da sucata, do lixo, do papel rasgado, e produzir – sobretudo em sua escultura – não o monumental mas o efêmero, não o objeto pronto e acabado que simula a Coisa mas uma coisa, despretensiosa - assim mesmo, com letras minúsculas. Dar forma ao que não existia: criar uma coisa capaz de revelar, em sua precariedade proposital, o próprio truque do artista que transforma os restos e dejetos da civilização em idéia, em forma nova; que transforma o lixo em graça, em vida, em movimento. Nas esculturas, e sobretudo nas colagens de Picasso, a obra é ao mesmo tempo a coisa inventada e a brincadeira que a originou. Uma mulher feita de telha, pedaços de cano, restos de madeira e um galho seco, certamente não se pretende forma eterna e realizada. Mas realiza a eternização do gesto livre que lhe deu origem.


*Citado em: Picasso Sculptéur, catálogo da exposição de mesmo nome no museu Beaubourg, Paris, 2000.


(Maria Rita Kehl, trecho do artigo O peso da feminilidade, 2003).

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

rosa, g. sertão, veredas.

[a t.]


“Gostava e não gostava. Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor”.


(p. 196)


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

de móbiles, cataventos e potes de estrelas



quando acordei, abri logo a janela pra ver se era dia de sol ou dia de chuva. o vento fez de repente barulhos no móbile azul e gomos de sol despencaram sobre mim. era dia de sol e desesperanças. percebi imediatamente que eu preferiria hoje um dia nublado.

minha priminha de cinco anos tá aqui no meu quarto, mexendo nas coisas. ela achou um globo que tenho, bem pequeno. eu disse que ele girava, ela o girou um pouco e me perguntou: “é assim que faz o nosso planeta, né?”. “é, sim. a gente fica girando. igual ao catavento”. “e por que a gente não cai?”. e daí eu tentei explicar a lei da gravidade (péssimo, eu sei). ela fez que entendeu. e então ela encontrou um potinho cheio daquelas estrelinhas de plástico que brilham, da época em que eu ficava fazendo artesanato com papel. ela achou lindo. dei pra ela o pote de estrelas. ela achou também as bexigas murchas ainda do meu aniversário, que estavam escondidas perto do violão. achou a vela de gel que ganhei há muito tempo. eu demorei tanto pra acender essa vela que acho que hoje ela nem acende mais. agora ela achou um patinho de pelúcia, bem amarelo e torto, que comprei pra dar de presente e nunca cheguei a dar. “ele fala?”. “não... ele tinha um botãozinho que acendia, agora acho que não funciona mais”. “pode levar?”. “pode”. “vou colocar na minha bolsa”. e ela fica subindo e descendo a escada, perguntando o que faço no computador, olhando os livros na mesa, brincando com o boneco do johnny, o bravo que ganhei de um amigo. hoje minhas irmãs e minha prima, mãe da minha priminha de cinco anos, foram passear no parque do ibirapuera. eu não fui. é difícil sair do moletom, de casa. quando voltaram, trouxeram dois cataventos. agora ela achou o suporte onde guardo as lentes de contato que me ajudam a enxergar. “quê isso?”. “ah, é onde eu guardo as lentes. tem gente que usa óculos pra ver direito, eu uso lentes. pode abrir, mas cuidado com o líquido que tem dentro”. ela faz cara de dúvida. “quer ver como é?”. “quero”. “não vai ficar com medo se eu tirar pra você ver?”. ela olha. “não”. tiro a lente do olho direito e ela faz uma cara de “uau”. a mãe dela sobe e avisa pra se despedir. “mãe! mãe! olha!”. pra mim: “faz de novo!” eu tiro a lente e ambas ficam olhando. “mãe, a minha amiga mariana usa óculos de grau”. quando elas chegaram do parque e eu vi os cataventos, um dela e outro da minha irmã, perguntei brincando por que não tinham trazido um pra mim. mas não era bem uma brincadeira. foi que, quando vi os cataventos, veio uma saudade funda na boca, na mente as tardes da infância surgiram, aquelas onde eu ficava sonhando em ter um catavento. até que aprendi a fazer um. lembro que sempre gostei das coisas que de alguma forma voavam. fiz balõezinhos de sacola plástica, pára-quedas onde a gente amarrava uma caixa de fósforo vazia com uma pedra dentro pra dar peso e fingir ser soldado. soltei pipa uma ou duas vezes, sempre com a supervisão dos meninos vizinhos. pirocópteros! como eu juntava moedas pra comprar pirocópteros! aliás, pirocópteros, maria-mole e umas balinhas coloridas que eram puro açucar e vinham dentro de um tubinho plástico. mas os pirulitos com aquela hélice na ponta eram os melhores. adorava ficar girando aquilo e disputando qual ia mais alto. pena que eu tinha o azar de que sempre caiam no telhado. e quando chovia, ficavámos na janela pra ver onde os pirocópteros iam cair com a água no telhado levando tudo. assim que acabava a chuva começava a correria pelo quintal pra ver quem conseguia recuperar mais pirocópteros perdidos. minha priminha veio se despedir. veio logo com um abraço. daí eu suspendi ela no ar e apertei forte. “da próxima vez eu vou no ibirapuera com vocês, tá? e vê se cuida do catavento”. “quando eu achar um na feira eu pego (pra você), tá?”. acho que ela ouviu a minha brincadeira sobre o catavento. e de repente me deu uma vontade grande de chorar e de ter um filho.


não sei porque o dia hoje não foi nublado.


sábado, 29 de agosto de 2009

La semaine la plus...


Estive pensando em escrever sobre cotidianeidades desde ontem à noite, após perceber que essa semana que passou não foi das mais comuns. Aliás, muito pelo contrário: foi aquela semana onde acontecem as coisas mais estranhas, aquelas de quase-nunca.

De início, pensei em manter a coerência de datas e nomes, organizar tudo em texto coeso pra não esquecer, porém, a memória não é feita de fios em ordem, e sim dos nós (e de nós), assim...

Acho que aprendi a não acreditar muito no que as pessoas dizem enquanto suas resoluções definitivas. Um “não”, ao que parece, pode se transformar num “absurdo” (ótima definição, aliás). Enfim..., saudades doces pra ficar dessa etapa algodoada da vida.

Tive uma aula ótima sobre “nós que estamos sempre sendo e que nunca somos”. Logo depois dela aconteceu uma coisa triste com uma moça, e daí eu fui almoçar correndo pra poder pensar direito nas coisas e, ao mesmo tempo, fugir do que podia descobrir pensando demais.

Um amigo escreveu uma música e irá me mostrar. Já está com a melodia e é relacionada à vida da mãe dele e àquelas realidades de existências paradas... Vou gostar que ele me mostre.

No início da semana me contaram sobre um moço de Atibaia que gostava muito de pés. No final da semana, à noite, indo comprar um pedaço de bolo, um homem simpático e sorridente me parou dentro do prédio da faculdade e:
– moça, oi, será que você pode me ajudar? é que eu adoro pés, sabe, e eu queria fotografar os seus, será que eu posso? (sorriso)
(espanto/risos) – é... como assim?
– não, por favor, não quero te atrapalhar, é só você sentar ali e eu tiro a foto, a máquina tá aqui e...
(mais espanto) – mas... é... eu tenho que tirar o sapato?
– ah, sim. mas é só os pés, não vou tirar foto do seu rosto. pode ser? você só dobra eles assim um sobre o outro e daí eu tiro a foto, é rapidinho.
(querendo fugir) – ...
– se não der, é só dizer, sem problemas, eu não quero te atrapalhar, é só uma foto... (sorriso)
(muito sem graça) – é..., então, acho melhor... não..., né...?
(às gargalhadas) – ah! você é tímida, hahahaha!
(desço as escadas incrédula/rindo)
Pois é. Sem comentários.

Essa semana também, no trabalho:
– próximo!
– oi.
– olá, boa noite. tudo bem?
– tudo!
O homem – já o tinha atendido antes – me passa os livros e eu começo a fazer os empréstimos. Percebo que ele deve estar olhando para o meu rosto. Eu tinha acabado de rir de alguma coisa antes de atendê-lo, assim, achei que eu devia estar com uma expressão engraçada, por isso não prestei muita atenção nisso – é até normal – e me concentrei no que estava fazendo. E então, ele:
– é... alguém já te desenhou?
(olhei pra ele com um silencioso “ãhn?”) – é...
– não..., é que eu gosto de desenhar... (gesto imitando o ato de desenhar) e você tem um rosto tão... expressivo..., não é? umas linhas, assim...
(reticente e achando graça) – você... quer me desenhar, é isso?
– não... é que... sabe aquela coisa que não dá pra explicar...? não sei... é... bonito.
(morrendo de vergonha) – ah... é, muito obrigada. hum, seus livros, aqui.
(ele pega os livros, se despede educadamente e sorrindo, retribuo educadamente e sorrio).
Novamente: pois é. Sem comentários.

E, falando sobre bolos, não dá pra comer bolo com certas pessoas, não é mesmo? É uma guerra de garfos vazios e metáforas afiadas. Eu, sinceramente, não entendo. Já desisti de entender. Gato e rato tentando se morder nas palavras, brincando pelos farelos das letras. “O mangi questa minestra o salti dalla finestra”. Okay... Mais je reste encore à rien comprendre.

Essa semana também me disseram: “a sua relação com a literatura é muito sofrida”. As pessoas não deveriam me dizer coisas assim, pois, por mais que no fundo eu já soubesse disso, na realidade eu ainda não sabia porque nunca tinham me dito. Desde então, toda vez que abro um livro, fico pensando no quanto vou sofrer para terminar de lê-lo... (Medo gelado de Proust).

Nesse mesmo dia, recebi uma notícia não muito agradável e à qual não estava realmente esperando. Como já tinha pendências a refletir, tive uma sobrecarga de coisas para pensar e, com isso, fui ler García Márquez (conto “Eva está dentro de seu gato”) para descansar. Essa sim foi uma leitura sôfrega, feita de pausas. Senti uma tristeza tão densa, um sentimento tão cheio de raízes..., me percebi profundamente viva.

Saímos em família no domingo. Acho que não fazíamos isso há uns bons... anos?

E o que fazer com aqueles que a gente só quer proteger da chuva e do vento, mas que só se escondem no eterno ir embora? Talvez seja só a possibilidade impossível das pontes e de tudo o que trinca sem motivo aparente.

O “absurdo” é de uma delicadeza surpreendente. Tão agradável... E tudo bem.

Há um bom tempo, me disseram em tom de brincadeira que tinham me escrito um poema.
Na sexta-feira, encontrei com quem tinha me dito isso. Ficamos conversando aquelas conversas de brisa e:
– toda vez que eu te vejo eu lembro do poema que escrevi sobre você.
(espanto) – poema? que poema?
– eu já te disse isso. acho que você não lembra porque falei em tom de brincadeira e você não acreditou.
(lembrando) – nossa... é mesmo... mas, é verdade?
– é.
(ficando sem graça) – cadê...? eu quero ler...
– ah, tá lá em casa. mas eu te mando.
(muito sem graça) – é... ah, obrigada. (abraço). sério, obrigada mesmo. eu não esperava. tou morrendo de vergonha agora...
– ah, quê isso...
(morrendo de vergonha) e, depois dessa, eu vou ter que entrar, não vou conseguir ficar aqui. tchau... até mais. boa aula.
(rindo) - ah..., eu te entendo. té mais, brigado.

Recebi o poema hoje à noite, por e-mail. É lindo. Das vezes que o li e reli deu vontade de olhar para o lado e procurar a pessoa a quem se dirige o poema... Pois é, essas coisas acabam comigo.

Essa semana ainda, mais do que nunca, notei como as pessoas não se permitem sinceramente ao outro. Fica todo mundo escondido dentro da sua concha, pronto para julgar aqueles que decidiram deixar um pouco a proteção de suas cascas e, portanto, podem cometer os “deslizes” dos desmascarados. Na minha opinião, disputa de poder geradora de chateações desnecessárias.

Descobri, também, que odeio profundamente ser ignorada. Indiferença marca falta de consideração e, com ela, percebi que não consigo lidar muito bem... Enfim, coisas dessa semana la plus.

(E ficou pendente aquela minha conversa sobre o mar naquele livro da Clarice).



quarta-feira, 5 de agosto de 2009

(“it's like you’re standing on my chest”)



[a d., m., y., fp., g., fl. e o.]


do meu entusiasmo em navalhas te esculpi poente | corpo avesso nas minhas unhas | sopro enforcado dos sentidos | tanto pesar que foi-se no cheiro a curva | e teus olhos meus verde escarlate, fica | amarra essa agonia lavada de calor intenso em pontes de azul madeira | jura nos meus cabelos ilhas de choro e vento | e teu perdão, e teu consolo no meu ar perdendo, calma | esquece.-me embrulha teus ombros.



sábado, 1 de agosto de 2009

# 19






[lire le Chapitre XXI, Le Petit Prince]

[ler o Capítulo XXI, O Pequeno Príncipe]


terça-feira, 28 de julho de 2009

(do instante da ansiedade)



gotas de chumbo vão pousando em nós nos ombros. o ar-raro-feito de agonia chega aos poucos ao pulmão. uma inação percorre as veias. a tensão retesa. aos pedaços o torpor do tempo vai engolindo sua calma.




domingo, 26 de julho de 2009

[sem título]



de portas soluçadas guiou o fio da lembrança até a curva da
[risca de giz
nas mãos
assopra
desprenda-pó
“'péra, tem nuvem no teu cabelo, vem cá, me deixa tirar”
assopra
prenda
pó-des


(fecha a porta)





Mike Ming. 'untitled. myth snake.' (2009)
acrylic, watercolor and ink. 18.75 x 24.75 x 2.25


quinta-feira, 16 de julho de 2009

Blábláblá I


Quem me conhece (ou me lê [olá, fantasmas]) deve saber o quanto não gosto de escrever sobre “cotidianeidades” em linhas fáceis aos olhos. Eu prefiro as complicações do que não é facilmente decifrável, já que a gente pode conversar sobre obviedades ou expandir nossas reflexões menos truncadas com os outros nas conversas de esquina.
Porém, como por (muitas?) vezes a comunicação pelo tom de voz e pelo olhar-no-olhar / gesto-no-gesto se mostra inacreditavelmente impossível no (meu) mundo, recorramos às palavras escritas para, pasmem, a telinha piscante do ‘microsoft word’. Isso é um sinal dos tempos. Mas vou falar sobre isso depois.
Como dizem, quando ordenamos a bagunça da nossa vida num discurso, as coisas parecem se encaixar em determinados eixos. Por esse motivo tantas pessoas gostam de conversar e discorrer sobre si, suas vidas, seus problemas, sua rotina. Quando elas falam, tudo se torna mais crível e mais real, é como se as idéias se tornassem palpáveis através das palavras em ato de fala e, portanto, se transformassem em (uma) verdade. Simplificando: é o processo de criação da (de uma) realidade. A realidade é um aspecto da vida humana muito interessante...


#realidade.


A existência de uma realidade pressupõe a existência da Realidade. A Realidade, acredito eu, consta do que é imutável e do que é porque é, sem necessariamente carecer de experimentos empíricos ou explicações plausíveis ao nosso entendimento. O sangue é vermelho, a chuva cai do céu para o chão, temos dois olhos e as pedras são duras, apenas para citar alguns exemplos.
A existência de uma realidade qualquer depende necessariamente do olhar humano. Ela é envolvida pelas atmosferas da história, da memória, da vivência e da experiência e, também, pelos tecidos do sentimento, do indizível, do que não é transposto em palavras. Sendo assim, pensando que (um)a realidade é constituída por olhares e cada indivíduo com seu olhar tem um ponto de observação diferente em relação ao mundo, podemos concluir que cada um vive dentro da realidade que constrói para si (consciente ou inconscientemente) de acordo com o seu passado, suas lembranças, seu sentir das coisas.
Pensemos que a realidade é constituída por camadas. Todos sabemos que a chuva cai do céu para o chão, alguns sabem em detalhes a razão disso e olham o fenômeno cientificamente, outros olham a chuva com suspiros porque o senso comum (falarei dele) a colocou como símbolo da melancolia e/ou da tristeza, muitos olham a chuva com desgosto porque odeiam se molhar, outros nem olham a chuva porque ela não alcançou um lugar em suas escalas de valores para sequer ser digna de atenção e, ainda, há aqueles que, pelo fato da chuva lhes trazer memórias e/ou sentimentos únicos, enxergam individualmente uma chuva resignificada.
Dessa forma, poderíamos falar da constituição da realidade em camadas numa estrutura de abrangência crescente, ou seja, das realidades resignificadas por vivências únicas à Realidade, passando, evidentemente, pelas realidades do senso comum, científicas, e etc., sendo sempre uma mais ou menos abrangente que a outra.
Entretanto, voltemos aos olhos. Por mais que exista a realidade em camadas, eu fico me perguntando se as realidades mais específicas (cada indivíduo com seu olhar a enxergar algo) não acabam por vezes se sobrepondo às outras mais genéricas. Explico: se eu passo a obter referências e me articular dentro de uma realidade muito pontual por muito tempo, quando eu vou para outra camada da realidade eu passo a aplicar a minha percepção daquela sobre esta? Exemplo: pra mim a chuva é desde muito tempo irritante porque me lembro daquele dia x onde aconteceu y. Será que eu consigo manter uma verdadeira situação de comunicação sobre a chuva com alguém para quem a chuva é também há tempos doce e terna porque esse alguém se lembra daquele verão longínquo onde aconteceu p?
É um problema de deslocamento do olhar. Tanto um quanto o outro precisa se deslocar de sua camada particular de “realidade da chuva” para outra camada mais abrangente de olhar a chuva (essa camada mais abrangente pode ser a chuva vista pelo olhar do senso comum, por exemplo). Essa passagem para outra camada gera um encontro de olhares que permite, finalmente, a comunicação no seu sentido mais puro com o outro. Contudo...


#comunicação.


Eu sempre afirmo que os seres humanos são incomunicáveis. Não sei, pra mim essa afirmação é quase como dizer que as pedras são duras. É evidente que isso pode ser um caso clássico de não-adequação à camada de realidade em que estou, já que posso estar simplesmente olhando com o meu olhar exclusivo (permeado pela minha história, memórias e experiências) para a questão.
Mas, em termos lingüísticos e nietzschianos, somos incomunicáveis por um problema de referente em relação ao que refere determinado signo da palavra. Quando digo “pedra” a um outro, por exemplo, estou me remetendo a uma imagem de pedra provavelmente diferente em vários aspectos da imagem de “pedra” que será suscitada na mente do outro. É claro que ambas as imagens de pedra terão pontos em comum, porém, ainda assim, serão imagens diferentes de uma mesma idéia-comum/geral de “pedra”.
O que determina essa diferença entre as imagens pode ser tanto um fator consciente - um determinado episódio do passado - quanto um ou mais elementos inconscientes aos quais não temos acesso direto.
O cenário da (in)comunicabilidade humana se torna ainda mais nebuloso quando lidamos com questões mais abstratas ou, ainda mais problematicamente, com os sentimentos. Aqui os referentes não têm necessariamente um parâmetro mais ou menos definido dentro de realidades mais abrangentes. O complexo conjunto do que é amizade ou amor para a muito dificilmente o será ipsi litteris para b.
Além disso, temos ainda que a língua é limitada. A língua que falamos não consegue absorver em si tudo o que temos a necessidade de nomear e dizer. As palavras são insuficientes para expressar toda a significação em nós, humanos. Por isso mesmo temos tanto do indizível*.

(Acredito que a idéia da incomunicabilidade humana é intrínseca à questão colocada acima sobre a(s) realidade(s), já que a realidade é em si formada através das palavras, como expus no início**).


#senso comum.


O senso comum pode ser maléfico porque ele gera uma preguiça de refletir e, através da reflexão, tentar pensar e olhar tudo de uma forma diferente.
Tentar olhar a chuva não apenas como um fenômeno meteorológico que deixa toda a vida urbana mais complicada e olhá-la, por exemplo, como um artifício da natureza que modifica em pouquíssimo tempo todas as cores e formas da cidade é algo difícil de se fazer, pois é recriar uma realidade sobre uma realidade mais abrangente que já existia no seu olhar. Resumindo: (re)criar realidades sobre as realidades do senso comum exige o esforço permanente de refletir sobre (de “olhar torto”) a(s) realidade(s) em si de uma forma geral.
Por outro lado, o senso comum é benéfico porque ele parece estabelecer bases, linhas guias para alguns dos valores humanos e, mais especificamente, para aspectos da cultura e convivência em sociedade de determinados grupos/povos.
O senso comum é uma espécie de grande espaço onde as camadas de realidades e realidades individuais podem se intercambiar. Ele estabelece pontos de partida para o olhar e também para as eventuais reflexões sobre a realidade constituída pelo próprio senso comum.



* vide o adendo 1: “eu te amo”.
** vide o adendo 2: “existência?”


[continua]


[editando em 01 de Agosto de 2009, 0h37: este post não terá continuação].




quarta-feira, 15 de julho de 2009

# 18





Costura a alma rasgada com a linha do tempo. Cobre-se do mais puro algodão. Vermelho. A benção na saída. Mais uma vez solta o coração nos dias, que agora já é dona de si. Numa proporção maior. Mede as palavras com sabedoria de quem já secou um mar nos lençóis.


[trecho de "do crescer", escrito por Vanessa em
13 de Julho de 2009 e disponível integralmente aqui]


domingo, 12 de julho de 2009

[cinema: quote #01]



Josef: I thought, you and I, maybe we could go away somewhere. Together. One of these days. Today. Right now. Come with me.

Hanna: No, I don't think that's going to be possible.

Josef: Why not?

Hanna: Hum, because I think that if we go away to someplace together, I'm afraid that, one day, maybe not today, maybe, maybe not tomorrow either, but one day suddenly, I may begin to cry and cry so very much that nothing or nobody can stop me and the tears will fill the room and I won't be able to breath and I will pull you down with me and we'll both drown.

Josef: I'll learn how to swim, Hanna. I swear, I'll learn how to swim.



[de La vida secreta de las palabras, 2005]




#port:

(Josef: Eu pensei, você e eu, talvez nós pudéssemos ir embora para algum lugar. Juntos. Um desses dias. Hoje. Agora. Vem comigo.
Hanna: Não, eu não acho que isso vá ser possível.
Josef: Por que não?
Hanna: Hum, porque eu acho que se nós formos embora para algum lugar juntos, eu tenho medo que, um dia, talvez não hoje, talvez, talvez nem amanhã, mas um dia de repente, eu possa começar a chorar e chorar tanto que nada nem ninguém poderia me parar e as lágrimas iriam inundar a sala e eu não iria respirar e eu iria puxar você comigo e nós dois afogaríamos.
Josef: Eu aprendo a nadar, Hanna. Eu juro, eu aprendo a nadar).



sábado, 11 de julho de 2009

“What have you left behind?”

I left a cat that I never had. I left the image of a mother. I left my drawings and all the songs that I never played. I left that basket made of newspaper for that boy. I left all my letters and greeting cards inside a silver box. I left those months of vacation when I felt in love for that guy of that band. I left my hope. I left all those funny meals with my family when I was a little girl. I left Paris and Prague. I left all my best friends. I left the idea of writing that book with that man from another city. I left the 90s. I left my desire of dancing, of being a doctor, of take black and white photos. I left that stone. I left that so meaningful sweater for that sleeping guy on the street. I left my youth. I left you without thinking twice. I left those beautiful and grey springs. I left my future twins. I probably left some happiness go away on that bus. And I guess that maybe I left little pieces of myself somewhere too...

(where?)

A hundred years

(as horas quietas ainda marcam o passo do quanto respira teu coração?)

você sabe quando o desgaste do tempo passou e poliu as paredes do teu corpo, trouxe a aspereza e o pó dos dias. as letras da voz já soam carregadas demais, cheias de sulco, de viço pastoso. tudo é um violino muito bem afinado com uma haste que balança plena ao sol ou então, na verdade da poeira, só uma dança muito triste pra sequer ser ensaiada.
e vem o peso das pálpebras, o olhar se agarrando demorado aos cantos das coisas. há os transbordamentos e as inércias, a prisão na descrença, na piedade, no ódio. é o passado pulverizando seus destroços. é o tempo mastigando aos sopros a vida da gente.

terça-feira, 7 de julho de 2009

about:blank



não gosto dos meus bloqueios, fico mais perdida ainda que achada no-nada.

em dez dias exatos virá a tempestade.

continuo na fase verde.

não consigo ler a lispector, clarice.

enfim, sem muito pra falar, sem ter o que dizer. porém com tudo ainda preso aqui na entrada do tórax, armário cinco, gaveta número dois, à direita do coração.



segunda-feira, 1 de junho de 2009

voz, porta, corredor.



as letras caíam dos olhos. pesadas, se quebravam no chão. mãos agoniadas tentavam segurar nos dedos as quase-palavras, tudo doendo. escorregava. tudo caía. espectros, fiapos, mar de letras e lamentos. de então, resolveu pescar. pegou lápis com pontaria afiada nos olhos secos. alçou o aperto do desejo e, lá-lento, juntou vontade do dizer. puxou. puxou e puxou. puxou com graça e feridas o punhadinho de letras, de ranhuras e defeitos. aos pés, foi caminhento ensaiando o andar na dita-cuja, com jeito, pra ela não fugir. andou, andou. suores e empenhos. mas machucadas, todas machucadas, não indicavam caminho na voz. letras-trecho de palavra perdida pra nunca calada. tardou mais que já não era hora de abandonar silêncios. guardou no susto o desalento. desafogou chaves e abriu uma porta. labirinto adentro.



segunda-feira, 25 de maio de 2009

abraços em conchas



she dreamed herself as a dancer. a dancer on a strawberry field. a dancer who used to eat the world in soft pieces. but then, grávida de cavalos marinhos, she slept near the waves on the sea and met lots of shells. little friends. moluscos lânguidos e tristes to hold hands. oh, god, help her to go through this. help her. she will deliver the word in cavalos doces e marinhos pour nous. cant i dance the ocean with her? but i will grow up and hug her very tight so she wont feel alone anymore. the babies nagent toujours pour très loin de ses mères. elle est mère de rien. maybe jiras manger des parties du monde avec her pour la voir enceinte again. so beautiful. eu costuro nossas notas, reconto nossos passos. couchée, elle reste encore fatiguée de tudo. je la prends by her breath. a visto de vert e damour. nous dansons. elle peut déjà rêver. morangos in fields. hugs aquáticos and shells. a baby is born again.


domingo, 17 de maio de 2009

# 17





“let me see what spring is like
on jupiter and mars”.


rien, idée




il y a des fois où
je crois peut-être
que je suis un très
petit colimaçon.



sábado, 9 de maio de 2009

lá(r)



anônimo, seu lugar no meio das gentes. na contemplação macia dos rostos sem face e cicatrizes nas mãos, estava em casa. 



[sem título]



no piscar de uma palavra amputada, no sufoco da saliva, a respiração trancada.

que cortem as portas, meu deus
suturem as fendas
queimem as entradas.

que cuspam com toda a força na nossa cara: liberdade.


opr.....

na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
e não dizemos nada.
na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão
e não dizemos nada.
até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta
e já não podemos dizer nada.

(trecho do poema no caminho com maiakóvski,
de eduardo alves da costa)


acordei deitada sobre a ponta norte de uma constelação de medo. (as manhãs precisavam tanto existir apertadas na garganta?) do telhado mal coberto poças de sol pingavam no meu corpo lento.

desprendida do pó, eu me encolhia quieta.

com os dedos presos.

sábado, 2 de maio de 2009

# 16



“would you mind if I leave?”


[“she's beautiful and grey”.]

segunda-feira, 20 de abril de 2009

da invisibilidade dos seres

a borboleta sem cor bate no teto, ao redor da lâmpada, no êxtase de quem voa por luz. uma luz que ela nem sabe que existe, mas que a atrai a ponto de deslocá-la de seu eixo, transportá-la para o girar sem fim. as mãos que escorregam inertes ao lado do corpo, sem fôlego, envergonhadas de sua inação calada. os olhos, meu deus, os olhos sempre tão fundos como um poço seco. que os corpos não despertem mais na amargura de um lençol branco e intacto, que o vento não derrube mais minhas palavras aos pés do tédio. que alguém me agradeça os silêncios e ódios infinitos dedicados a esse nada. que um dia me perdoem com a intensidade dos desesperados. e nesse chão, que respira à nossa insignificância e acolhe nossa ida eterna com a resignação dos poetas, deitemos todos. ah, mundo de grãos de areia... tempo cuspido. horas, o que são as horas? talvez o espaço no qual marcamos a existência breve dos nossos sonhos diminutos, empacotados em cubinhos e incrustados na nossa garganta. por favor, tornem úmida minha esperança. semeiem árvores para termos onde nos apoiar. algum braço? onde estão os braços? compremos bengalas de ferro. a humanidade guarda as mãos num fosso. que colhamos os cravos da nossa derrota, os soluços da nossa pequenez. que peguemos, do sufoco da nossa liberdade e desistência, um pedaço de giz pra arrumar o mundo. mas então há o vento que tortura a janela, as unhas que desfiam pecados, a caridade sempre servindo à carência. há o sol que se parte em raios, uma folha que se desprende da planta, uma gritaria que se explode em milhões. há simplesmente a profunda desimportância do que realmente importa. somos seres invisíveis e de plástico. não consigo ver estrelas para nós.

domingo, 19 de abril de 2009

Desejo*

Está tudo tão gélido que meus pés tremem e batem na parede.
O corpo dela ao lado, o vômito por dentro, que vontade de matá-la.
Essa vagabunda me trai há seis meses com o retardado do apartamento ao lado. Eu chego mais cedo de propósito só para ouvi-la gemer e apanhar através da parede contígua.
Hoje descobri marcas em seu corpo, disse-me com um olhar parado e vermelho que caíra sei lá que diabos donde. Quase a jogo pela janela desse oitavo andar de tanta raiva. Engoli o nojo e o ódio, joguei as mãos no bolso e enterrei a minha unha tão forte na perna que arranquei sangue. Que vontade de matá-la.
E agora, ela aqui, ao meu lado, tão pura e suja, dormindo, indefesa, e o canivete ao alcance das minhas mãos. É só ir devagarinho e enfiar-lhe o canivete no pescoço, no corpo, tampar-lhe a boca, sussurar em seu ouvido o quanto ela é piranha e puta em seus últimos segundos de gozo vital.
Mas não. A olho. E a amo. Ainda. E tanto. Esse amor filho da puta que me faz soltar, esquecer o canivete. Eu amo essa desgraçada.
Acabei de quebrar o meu dedo na porcaria da parede.


[*escrito em 27 de Junho de 2006]

quinta-feira, 9 de abril de 2009

[sem título]

“não temos amado, acima de todas as coisas. não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmo construímos, tememos que sejam armadilhas. não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de sermos inocentes. não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. falar no que realmente importa é considerado uma gafe. não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. temos chamado de fraqueza a nossa candura. temos-nos temido um ao outro, acima de tudo. e a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia”.


(clarice lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)

domingo, 29 de março de 2009

nada além

eu não quero nada além de um barco bem fundo que me sirva de abrigo e passaporte.

quarta-feira, 25 de março de 2009

aos pequenos

[ao gabriel, à sarah, ao pedro e à sofia]


“queridos filhos que nunca tive,


ontem me encolhi dentro da saudade de vocês. busquei quieta ao meu redor suas mãos minúsculas cheias de dedos a acarinhar meu cabelo, roçar meu nariz... busquei - sem esperar que os conhecesse, que os tocasse, que os carregasse por tantos meses abrigados dentro de mim -, um pouco de seus cheiros, seus gestos infantis, a pequenez... fiquei em silêncio na noite esperando ouvir seus barulhos. os choramingos. uns poucos gemidos.
mas então adormeci.
dormi na certeza funda da ausência de vocês, essa falta pesada, sozinhez mesquinha, pobre.
queria vocês aqui, meus pequenos. para inflar de sentidos as manhãs que perderam a graça. para mostrar que quando um dia está bonito não é momento, é permanência estrelada, é estado de graça e milagre perpétuo aos olhos. queria abraçá-los e com isso saber escavar as horas, esperar os amanhãs, com amor arar o mundo para recebê-los.


tudo seria um tanto mais perfeito, meus pequenos,
com vocês aqui por perto.


M”.