domingo, 29 de março de 2009

nada além

eu não quero nada além de um barco bem fundo que me sirva de abrigo e passaporte.

quarta-feira, 25 de março de 2009

aos pequenos

[ao gabriel, à sarah, ao pedro e à sofia]


“queridos filhos que nunca tive,


ontem me encolhi dentro da saudade de vocês. busquei quieta ao meu redor suas mãos minúsculas cheias de dedos a acarinhar meu cabelo, roçar meu nariz... busquei - sem esperar que os conhecesse, que os tocasse, que os carregasse por tantos meses abrigados dentro de mim -, um pouco de seus cheiros, seus gestos infantis, a pequenez... fiquei em silêncio na noite esperando ouvir seus barulhos. os choramingos. uns poucos gemidos.
mas então adormeci.
dormi na certeza funda da ausência de vocês, essa falta pesada, sozinhez mesquinha, pobre.
queria vocês aqui, meus pequenos. para inflar de sentidos as manhãs que perderam a graça. para mostrar que quando um dia está bonito não é momento, é permanência estrelada, é estado de graça e milagre perpétuo aos olhos. queria abraçá-los e com isso saber escavar as horas, esperar os amanhãs, com amor arar o mundo para recebê-los.


tudo seria um tanto mais perfeito, meus pequenos,
com vocês aqui por perto.


M”.

terça-feira, 24 de março de 2009

# 15


“o gesso muito branco, as linhas muito puras”.

sábado, 21 de março de 2009

# 14


“will tear us apart... again”.

quinta-feira, 19 de março de 2009

[sem título]

[a g.]

“então do ventre mesmo, como um estremecer longíquo de terra que mal se soubesse ser sinal de terremoto, do útero, do coração contraído veio o tremor gigantesco duma forte dor abalada, do corpo todo o abalo - e em sutis caretas de rosto e de corpo afinal com a dificuldade de um petróleo rasgando a terra - veio afinal o grande choro seco, choro mudo sem som algum até para ela mesma, aquele que ela não havia adivinhado, aquele que não quisera jamais e não previra - sacudida como a árvore forte que é mais profundamente abalada que a árvore frágil - afinal rebentados canos e veias, então
sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade (...)”.

(clarice lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)

segunda-feira, 16 de março de 2009

de tudo isso, ainda


(ou destroços)

de todas as vezes que aparei as arestas do teu pão, esfriei com calma o leite quente, te abracei cálido nos começos das manhãs. de todos os momentos que te olhei com admiração e doçura, que me curvei aos teus apelos, que escorri lágrimas nos teus cabelos. de todo o tempo que passei calado te percebendo dormir, acalentando teus sonhos, escondendo pesadelos. de todas as vezes que cruzei meus dedos na plataforma do trem e os amarrei aos teus. de todos os dias que passamos separados, cheios de culpa, pingando remorso. de todas as brigas mundanas, beijos no pescoço, de cada silêncio teu-meu suspirado. de cada passo de dança no carpete sujo, de cada lençol alisado por teus medos, de cada cheiro molhado de banho no chuveiro. de cada palavra não dita, de cada olhar gritado, de cada toque sem jeito. de cada trecho de mim, ponte tua, abismo nosso... de tudo isso, minha bela, o que ainda nos restou?

domingo, 8 de março de 2009

do dia, o momento mais bonito

“moça, posso te fazer uma mágica?”


[menino sorridente com baralho na mão para mim,
ontem à noite no ponto de ônibus da
avenida ipiranga com a rua da consolação]

sábado, 7 de março de 2009

- psicografo

(do circo que se abre assisto as multidões. naquele silêncio que é só e único, perco as curvas e os gestos, acompanho o nada em fragmento. a gente sempre se pergunta, sempre desiste das respostas. sempre caminha olhando os pés, desiste do que tinha pra ser caminhado. como nada nessa vida tem solução, fiquemos com o insolúvel, o sólido amorfo incrustado nas gavetas do peito, esperando a morte, uma tentativa de redenção, um pedido de desculpas. que o coração fosse menor, meu deus. tanto tamanho e peso dentro da gente. ou que fôssemos maiores, gigantes, fortes e corajosos. que fôssemos ninguém, rascunhos, projetos, esboços. que fôssemos mão e luva, um caracol, uma ventania. que fôssemos planetas correndo livres pelas órbitas do universo. ah, um pouco de liberdade!, daquelas com gosto de frescor verde, sem amargores ou ternuras. sem lenços ou bandeiras. sem corridas ou obstáculos.

só que tudo fosse um pouco mais fácil.

ou que nem fosse.

não precisa).

quinta-feira, 5 de março de 2009

explosões



amanheci o hoje, tirei a espuma dos olhos e explodi algumas palavras. peguei-as pelas sílabas ainda quietas, agarrei com os nós dos dedos suas curvas e as fiz expandirem-se, dilatarem-se loucas, colapsarem ainda pendentes nos meus lábios. o calor das letras espalhadas me fez erguida na manhã, alerta e morna, com pedaços de palavras a escorrer pelas paredes. senti logo o orgulho de uma pequena liberdade: eu tinha o indizível... comecei a tatear sem pressa os espaços dentro do susto da mudez. mas então dos sentimentos agitados veio minha piedade, suave angústia. olhei os destroços com o peito. fui apanhando os cacos. recolhi fragmentos de sentidos quase perdidos, fui novamente sendo possuída por elas. entreabri os lábios. recoloquei-as todas dentro de mim. e fui tomar o café-da-manhã.