quinta-feira, 24 de abril de 2008

Acidez

É inacreditável como colecionamos um número absurdo de tentativas frustradas. Chega a ser patética a pilha de desagrados, desafetos, desarranjos e despropósitos que surgem no caos diário da existência e que acaba por nos desmoronar.
Sim, este post pode ser considerado como um breve protesto de alguém um tanto chateada com a vida e com o mundo. Assim, leitor-inexistente, se não quer de jeito nenhum tomar contato com lamentações e afins, já sabe, passeie com seus cliques por outras vizinhanças. Isso mesmo,
ácida.

E também cansada, cansada da Lei de Murphy.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

| noite | frio | chuva | vento |

“I don’t really fell anything”.
(
neverending math equation, sun kil moon)


“e a noite vem, sendo o descanso do sol”.
(
na varanda, o teatro mágico)


“the smell of grass in the spring”.
(
have you forgotten, red house painters)


São Paulo sempre fica com esse ar doente quando chove. Chuva dessas que não pára e avança pelo tempo, umedecendo os espaços e os humores, amolecendo as partes do corpo e deixando aquele cheiro de vontade de dormir espalhado pelas paredes. Paredes que formam os quadrados onde todos se escondem em silêncio. Naquele silêncio quieto que olha pela janela e se choca com o vento que dança. Vento molhado que traz arrepio à nuca, que dilata a mente. Água porosa que escorre por todos os lados. Vidros que acolhem gotas quebradiças. Nuvens sonâmbulas. O cinza que se expande e calmamente amarra a tarde. Nossas mãos geladas e aflitas que se deitam nas cavernas acolhedoras de bolsos, mangas, panos e segredos. Abraçando o nada em nome do pouco calor de um corpo humano. Do pouco apoio de uma alma humana. E assim essa cidade se encolhe. Ela e suas milhões de mãos desamparadas.


sexta-feira, 11 de abril de 2008

Fragmentos # 04

“Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas
lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados”.

(início de o amor nos tempos do cólera, gabriel garcía márquez)



“pieds nus dans le sable, elle regarde d’un air vague l’ocean”.



O sol estava tão acolhedor que parei no meio do gramado e o deixei escorrer pelo meu rosto, degustar a minha pele. Não há conforto maior do que ter o sol a nadar para dentro dos olhos.



domingo, 6 de abril de 2008

To be lost

“so many things seem filled with the intent / to be lost (…)”.
(trecho do poema
One art, Elizabeth Bishop)

Ela tinha acabado de me perguntar sobre os minutos do tempo quando ele parou. Esbarrei meus olhos sobre a gota de suor que deslizava em sua nuca e inundava fios nervosos querendo se libertar do cabelo mal preso. Fui perdendo o senso de espaço e me espreguiçando em pele e cor, em pedaços, texturas, cheiros e dimensões. Derramei nela todo o meu ser enquanto o céu explodia e vazava. / O cabelo que se desprendeu me mostrou o desajeito dela ao se curvar, prendê-lo, ao fechar-se em mil fios e copas. Dedos angulosos que pra lá e pra cá dançavam e prendiam mais e mais mechas sem piedade. Ela encarcerando seu cabelo e nele afogando todo meu ar. / Sua mão que num repente se jogou violenta sobre a barra de ferro. Meu pulso que sussurrava silêncio em seu ombro. O ônibus que voltava a andar. E eu que a sentia tão sozinha. Com uma vida desesperada. / Pela transparência do vidro consegui escalar seus olhos. Dos cílios vi pender cansaço, um pouco de angústia. E naquele castanho cinzento esculpi a varanda da nossa vida pacata, o estalo de nossas risadas, um mundo perfeito no grampo dos cabelos dela sob o meu travesseiro. / Via-a descalça, parada a uma janela, com uma mão à cintura, outra a alisar cortinas azuis. O rosto pendente denunciando talvez sua curiosidade quase infantil pelo mundo, ou então seu simples gosto pelo vento da manhã a apertar-lhe o corpo. Vi meus braços debruçados nela. Vi meus dias esculpidos nela. / E assim, trancado e perdido dentro de mim, não notei quando a perdi pela porta do veículo. Via-a escorrer por aquelas escadas levando meus berros calados de aflição: “fica!”, “me espera!”, “ei!”, “não!”. Grito, inconformado e inútil. Acabara de desencontrar o que só se acha uma única vez na existência, o universo que só existe de um para um, a realidade despedaçada que podia ser completa. Perdi a mulher da minha vida por me fechar em mim mesmo, à procura dela.