domingo, 19 de abril de 2009

Desejo*

Está tudo tão gélido que meus pés tremem e batem na parede.
O corpo dela ao lado, o vômito por dentro, que vontade de matá-la.
Essa vagabunda me trai há seis meses com o retardado do apartamento ao lado. Eu chego mais cedo de propósito só para ouvi-la gemer e apanhar através da parede contígua.
Hoje descobri marcas em seu corpo, disse-me com um olhar parado e vermelho que caíra sei lá que diabos donde. Quase a jogo pela janela desse oitavo andar de tanta raiva. Engoli o nojo e o ódio, joguei as mãos no bolso e enterrei a minha unha tão forte na perna que arranquei sangue. Que vontade de matá-la.
E agora, ela aqui, ao meu lado, tão pura e suja, dormindo, indefesa, e o canivete ao alcance das minhas mãos. É só ir devagarinho e enfiar-lhe o canivete no pescoço, no corpo, tampar-lhe a boca, sussurar em seu ouvido o quanto ela é piranha e puta em seus últimos segundos de gozo vital.
Mas não. A olho. E a amo. Ainda. E tanto. Esse amor filho da puta que me faz soltar, esquecer o canivete. Eu amo essa desgraçada.
Acabei de quebrar o meu dedo na porcaria da parede.


[*escrito em 27 de Junho de 2006]

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