sábado, 26 de julho de 2008

Un certain regard

Uma lagarta felpuda e densa deslizando em ondas de concreto. A moça que quase tombou da impáfia de seu salto alto e transparente. As azaléias de um rosa infame se derramando moles na admiração do olhar. A luz surgida no lugar mais impossível, incandescência no fim do corredor improvável. (Acho que só eu vi).
Troncos de árvores vistos de um inferior muito além, árvores essas frágeis e gigantes que acalentam em suas copas gomos de nuvem.
O homem que procurava o prédio da “fisolofia”. O pequenino inseto que passeia por este papel já maculado de escrita. A teia de aranha precária sobre o galho seco e em despreendimento de tudo. O vento que alisa minha nuca descoberta pela trança de lado ignorada.
A árvore pendente e triste chorando lágrimas verde-escuro, o cachorro que não entra em espaços público-privatizados, o inseto que agora se esconde atrás da folha talvez por medo das palavras. E, acreditem, borboletas que voam coloridas e um sol brinca de esconde-esconde com nossos olhos se deixarmos.

Um moço porto-alegrense
com sotaque lindo
que acabou de passar,
conversar sobre nada,
perguntar o nome
e ir-se pra sempre.

A vida às vezes é estranha e amarga,
mas ela pode se desdobrar num fundo doce
para os de olhos abertos e os abertos de coração.


post scriptum: O céu acizentou-se e o ar esfriou. De repente, o mundo ficou todo bege.

[texto escrito em 25 de julho de 2008, 15h30]

terça-feira, 22 de julho de 2008

Comendo pipoca doce à meia-noite

Adoro ser apaixonada por cinema. Gosto daquelas poltronas fofas do mesmo modo que gosto do pause do DVD junto com meus travesseiros espalhados pelo sofá.
Acabei de assistir a um filme francês chamando “Cœurs” (2006) (“Medos privados em lugares públicos”, na tradução para o português). É o meu segundo Resnais. O primeiro foi “On connaît la chanson” (1997). Cinema francês é assim: ou você ama ou você odeia. No meu caso, estou aprendendo a amá-lo. Hoje mesmo percebi umas coisas muito interessantes em relação à forma como o diretor Alain Resnais filma. Gostaria de assistir a outros filmes dirigidos por ele para assim poder fazer mais comparações. Em todo caso, a fotografia estava bela e o movimento da câmera filmando determinadas cenas do alto foi primoroso.
O tema tratado é delicado e, assim como em “On connaît la chanson”, há uma estrutura que dou o nome de estrutura à la “Quadrilha” (em referência ao
poema do Drummond). Tratar os desencontros humanos, bem como a solidão, o isolamento, os desejos secretos e a decepção usando essa estrutura resulta num filme sutil, cuidadoso, com toques de humor e, ao mesmo tempo, com um certo tom cinza, gelado, dividido. Gosto disso. (Atenção especial à neve, coadjuvante sempre presente e personagem principal numa das cenas mais belas de “Cœurs”).
Outro filme francês que assisti recentemente foi “Le scaphandre et le papillon” (2007), e esse entrou na “the best list”. O filme é lindo. O enredo, baseado em fatos reais, não é dos mais fáceis de se assistir, pois é profundo e dolorido. Mas, ao mesmo tempo, ele permite que você saia da sala de cinema com uma imensa vontade de viver, de tocar o mundo, de cheirar pessoas e ir bebendo e saboreando gota a gota as migalhas de vida que você pode encontrar por aí. É um filme indispensável.
Tanto “Le scaphandre et le papillon” quanto “Cœurs” abriram a temporada de idas ao cinema
all by myself. Eu sempre achei que ir ao cinema sozinha era algo deprimente e sem a mínima graça (culpa de uma longínqua experiência em que assisti a um filme praticamente sozinha numa gigantesca sala do Cinemark). Mas, depois de ir assistir sozinha a esses dois filmes, descobri que na verdade é ótimo. Além de não haver discussões relacionadas ao horário, ao que assistir, ao preço da pipoca e ainda comentários de desagrado quando o filme acaba, você tem mais tempo só com os seus pensamentos para absorver tudo o que se passou na tela.
Porém, como não podia deixar de ser, eu ainda mantenho as minhas boas e velhas sessões de DVD em casa. Ontem mesmo assisti a um filme que há tempos estava me esperando guardado na gaveta: “Mar Adentro” (2004), do meu já querido Alejandro Amenábar. A relação entre esse filme e “Le scaphandre et le papillon” é impossível de não ser feita. Os dois filmes retratam protagonistas praticamente na mesma situação e ambos impõem a escrita e publicação de um livro como metas vitais. Além disso, “Mar Adentro” também foi baseado numa história real.
Um amigo recentemente estabeleceu a relação direta entre “Mar Adentro” e “Million Dollar Baby” (2004), de Clint Eastwood. Essa relação se dá inclusive temporalmente, já que os dois filmes foram lançados no mesmo ano e, se não me engano, foram exibidos nos mesmos festivais de cinema.
Na minha humilde opinião, um filme nunca pode ser dissociado de sua trilha sonora. Ela é capaz tanto de engrandecer como de empobrecer qualquer tentativa cinematográfica. Por esses dias assisti a um filme em que a trilha sonora lhe deu camadas quase sinestésicas, como se as músicas juntamente com as cenas permitissem sentir o cheiro das paisagens, sentir o vento, o frio e o sol que acompanhou aquela viagem de tentativa de libertação. O filme a que me refiro é “Into the wild” (2007), dirigido por Sean Penn e com a trilha sonora sob a responsabilidade da voz grave de Eddie Vedder. Achei o filme em si bom, porém, acredito que a qualidade da trilha sonora, com seus tons simples, naturais, de levada folk, gerou nele uma nova dimensão significativa.
Um outro ponto destacável em “Le scaphandre et le papillon” é justamente sua trilha sonora. Ela é diversa e, por isso mesmo, muito curiosa, já que alguns momentos de emoção neste filme só são despertados pelo ápice de uma música cuidadosamente escolhida explodindo sobre determinada cena.
Para finalizar, só umas palavras sobre “Vanilla Sky” (2001), que reassisti semana passada: sou apreciadora incondicional da fotografia desse filme. Nem vou entrar no enredo porque o “só umas palavras” poderia virar um novo post. Apenas remarco que aquele céu de Monet e o “Sophia-way-of-life” me encantam em “Vanilla...”, assim como também me encanta aquela trilha sonora mágica.

(Corta!)


sexta-feira, 11 de julho de 2008

coisas-que-só-acontecem-comigo

Há tempos não escrevo sobre os nadas do cotidiano...

Hoje o dia estava sendo um comum dia-perfeito. De manhã, fiz as coisas que todo mundo que está de férias e não viajou faz: acordar tarde, responder e-mails e recados, ouvir música, pensar em assistir um filme e não fazê-lo porque ainda é muito cedo, comer e, enfim, pra quem trabalha como eu, sair pra trabalhar um pouco mais cedo só pela vontade de pisar ruas e ver gente.
Dia ensolarado e friozinho, andar sossegado, a calça jeans preferida e o cabelo balançando pra lá é pra cá dentro do rabo-de-cavalo. A gente compra um chocolate e um doce, pega o ônibus vazio e vai indo pela avenida meio dormente, com o sol a brincar nos olhos, um livro na mão e a paisagem a colorir o rosto. Quer coisa melhor? (E tem gente que ainda pensa que a felicidade não é simples...).
Uma passada no banco, um ótimo encontro (sabe quando você quer uma coisa e ela surge melhor do que encomenda? Pois é.), o ânimo que se assanha e o dia que fica sorridente. Pensamento na família, telefonema para a mais amada e querida. Saudade grande, conversa de mãe e filha: assuntos práticos e profundos. E a vontade de comer pão doce obriga a uma visita à padaria pra levar a guloseima do café da tarde.
Vamos caminhando e chegamos ao trabalho com tempo suficiente para ler os quadrinhos no jornal e ainda tomar um café. Garfield é sempre ótimo e um café quente, doce e forte anuncia uma tarde memorável.
Começamos a trabalhar, e bem: quase nada pra fazer (dentro de uma biblioteca em período de férias, o que mais se poderia esperar?). Encontramos uma amiga adorada e uma conversa de 40min. é compartilhada com livros e estantes. Continuamos o trabalho (demonstração de amizade e afeto no meio do expediente!) e a hora do café com pão doce chega.
E como o dia estava sendo perfeito demais dentro da minha concepção de ser feliz com pouco, é claro que alguma coisa bizarra tinha de acontecer.
Beber café depois das 18h na cozinha da biblioteca é uma missão impossível. A essa hora a única coisa que nos resta é o suco nosso de cada dia. Entretanto, milagrosamente, havia café (!). Claro que aqui a gente aproveita, bebe um pouco, repete e, quando vê, de repente o café parece que gostou da nossa companhia e assim resolveu chegar mais perto, cair na blusa, na calça, se derramar todo num banho apaixonado e morno de açúcar e líquido marrom. Sim, eu ganhei a sorte de um banho de café no meio do horário de trabalho. Não é lindo?
(Acho que agora pelo menos o título deste post ficou claro ou, no mínimo, da cor de café).
Pulando toda a odisséia e os tropeços pra conseguir me trocar (Carina e Miki: minhas heroínas) e voltar a trabalhar normalmente, o dia termina: volto pra casa com as coisas acertadas no trabalho, com uma saia indiana e uma sandália que reforçaram ainda mais os meus traços de ser que veio da Índia e, como não podia deixar de ser, hoje também foi o dia em que finalmente eu trouxe o meu violão de volta pra casa, ou seja, a gente sai de casa num dia normal exalando casualidade e volta hippie, com direito a violão, saia rodada e cheiro de café.

Só comigo mesmo...