domingo, 26 de agosto de 2007

Sobre “El Laberinto del Fauno”

O filme “El Laberinto del Fauno” desnuda um mundo com fadas voadoras e tiros na cabeça daqueles já caídos no chão. Portais mágicos e sapos gigantes, opressão e tortura, mandrágoras e lágrimas. Seu ponto chave é a estética da beleza e da violência caminhando juntas para um final tão dramático e triste quanto belo e consolador.
A palheta de cores em cinzas, marrons e verdes, o tom escuro e fechado de floresta e de calabouço por toda a parte, as cenas que intercalam uma trama de fábulas e um contexto mais do que real, enfim, toda a atmosfera sufocante que vem da construção do impossível desenha um mundo de fantasia infantil e de ditadura sangrenta, um mundo que encanta e desola.
O nosso encanto caminha junto da Ofelia que acredita em livros, que os abre, que os lê, da Ofelia que percorre o labirinto, que acha a chave de ouro, da Ofelia que traça portas em giz na parede de seu quarto e as atravessa. A nossa desolação surge quando começamos a perder a fé nesse mundo gracioso que ela nos mostra. Vamos nos embrenhando na realidade que a cerca. Há tiros, sadismo, sangue e pavor. Temos medo, e assim trememos a cada jogo cênico em que se seguem faunos, torturas, inocência e perseguições.
“El Laberinto del Fauno” é imensamente lindo, é angustiante e, principalmente, é de uma tristeza profunda. O final do filme deixa uma complicada sensação de dor e felicidade, aquela na nossa percepção de vida real e esta na nossa imaginação. A canção de ninar de Mercedes, a visão do interior do castelo, a água colorida em vermelho, o trono de Ofélia, seus sapatos novos, seu olhar perdido... Não há onde se apoiar. Ficamos presos dentro daquele labirinto. Dentro de nós mesmos. Dentro da luta eterna entre fantasia e realidade e do embate entre beleza e horror.
Será que conseguimos nos deixar perseguir pelas fadas? Será que realmente “la inocencia tiene un poder que la maldad no puede imaginar”?


(cena de “El Laberinto del Fauno”)

trailer I / trailer II

“I'm infinite!”

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Quem tem medo do lobo mau?

O lobo mau aqui está longe de ser aquela criatura inofensiva e quase pitoresca que persegue uma dissimulada Chapeuzinho Vermelho. Ele é maior e mais perigoso. É letal, imprevisível, inevitável e, principalmente, ao invés de saborear apenas criancinhas, esse lobo está prestes a devorar o mundo inteiro.
Terremoto no Peru, furacão Katrina, tsunami na Ásia, enchentes na Índia, furacão Dean, terremoto
previsto para devastar a qualquer momento deste ano do Javali a região japonesa de Toukai... Enfim, vários desastres naturais acontecendo em sucessão pela esfera terrestre. Aquecimento global? Acaso? Coincidência? Extraterrestres? Apocalipse?
O aquecimento global, por mais que seja um assunto sério e de considerável importância, já se transformou (para o bem e para o mal) num dos tópicos das rotineiras conversas de padaria à tarde ou de balcão de boteco terça-feira à noite, perdendo desse modo seu
status de motivo inédito e, portanto, confiável. O acaso e a coincidência, por sua vez, ainda têm um grande peso, sobretudo para todos aqueles que crêem no famigerado destino e na certeira providência divina. Já os extraterrestres vão muito bem, obrigado, com exceção do fato de eles terem banido a Terra como um dos destinos escolhidos para as férias de verão. “Muita violência”, dizem eles. Assim, por fim, nos resta o apocalipse.
O apocalipse, tão adorado e aguardado pelos (muitos) caçadores de tragédias que estão por aí, é um ponto curioso no meio de toda essa efervescência de desastres naturais.
A idéia do apocalipse, nossa conhecida desde que começamos a contar o tempo a partir dos a.C’s e d.C’s, teve a Igreja Católica como forte aliada em seu processo de legitimidade. O apocalipse, com suas bestas aladas e seus sete anjos, se impregnou no imaginário popular europeu seguindo os ensinamentos da crença cristã impostos pela Igreja durante, principalmente, a Idade Média.
Naquela época, fez-se muito mais do que apenas excomungar “traidores” e queimar “feiticeiras”, solidificou-se um conhecimento bíblico distorcido por padres mais preocupados com jantares, mulheres e dinheiro do que com qualquer compromisso de imparcialidade em suas interpretações do livro mais lido no mundo.
Dessa forma, a idéia do apocalipse foi passada através do filtro daqueles que detiam o poder de ler em latim e, assim, transmiti-la adiante. O apocalipse passou a funcionar como uma espécie de ameaça constante aos “pecadores”.
É muito mais interessante para o torturador manter sua vítima sob a ameaça do choque elétrico do que sobre um colchão de plumas. Durante a Idade das Trevas construiu-se e firmou-se o pensamento, a espera e, em especial, o medo relacionados ao assim chamado “dia do juízo final”.
Agora, como tudo isso se interliga a meras ondas gigantes e esporádicos furacões?
Já é de conhecimento público o lugar inabitável em que este planeta se tornará em breve. O clima alterado irá transformar a Terra num local propício a tudo, menos à vida humana saudável e sem a ameaça de uma guerra nuclear mensal em razão da falta de água potável.
As gerações futuras irão se deparar com um problema de superaquecimento, de superpopulação e de escassez dos nossos bens maiores: ar, espaço, água e alimentos.
Isso, sem dúvidas, é uma espécie de apocalipse. Parece que a nossa geração é a última que não sofrerá de forma impactante com o problema climático e com as complicações dele decorrentes. O apocalipse climático promete ser como o da Igreja Católica: quente, assustador e irreversível. (Que os “pecadores” tomem cuidado e não entrem em pânico).
Todas essas inferências fazem pensar se é válido ou não se plantar gerações futuras sobre este solo... Será que elas sofrerão passivamente as conseqüências dos séculos e séculos de destruição promovida por seus antepassados? Ou será que tentarão achar uma solução mágica para conseguirem viver de forma plena na Terra? Será que somos realmente a última geração que não enfrentará esse imenso problema de frente e de modo definitivo?
Os desastres naturais de hoje já causam um grande estrago na vida de muitas pessoas, e o que resta às demais que assistem de camarote ao espetáculo da natureza revolta (já que esses desastres fazem a vez de bolinho açucarado para a mosca faminta de acontecimentos que é a
mídia sensacionalista) é o questionamento: será que isso tudo é apenas uma pequena amostra do que nos aguarda e, principalmente, aguarda nossos filhos e netos no futuro?
Só espero que dessa vez a Chapeuzinho não seja engolida de vez pelo lobo mau.


(furacão visto do espaço)