quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Guerra matinal

Sempre tem um espírito de porco. Melhor, vários. Há pessoas que acordam carregando nas mãos as habituais oito pedras e com uma vontade sádica de praticar tiro ao alvo. Enquanto elas não atiram pelo menos umas cinco dessas pedras já na primeira pessoa que lhes cruzar o caminho pela manhã, elas não sentem a satisfação, o conforto de ter imposto ao outro um pouco do peso que carregam.
E é incrível como essa violenta e fraternal distribuição de pedras e mais pedras funciona e chega ao seu objetivo principal: deixar o outro tão (ou mais) mal-humorado quanto você.
As pedras vêm de onde e quando menos se espera, pois a intenção é justamente acertar o seu ponto mais vulnerável e tirar-lhe, com o impacto, um pouco de sangue e muito de veneno.
É lindo. Toda essa solidariedade e esse amor... Toda essa guerra urbana que deixa trincheiras por toda parte e pinta rostos de poucos amigos a cada metro quadrado. Realmente algo admirável de ser ver (e de se participar).
A vida é uma roleta russa e você nunca sabe o que o dia lhe reserva, entretanto, pelas manhãs, já saia de casa com o escudo, o colete, o capacete, as joelheiras e um casaco pesado só pra arrematar e garantir melhor sua segurança. Não se deixe vulnerável às pedras que tentarão acertar em você. Nunca se esqueça delas e mantenha uma vigilância constante.
Estamos em guerra. Proteja-se ou irão te apedrejar até se cansarem (e assim passam à próxima vítima) ou começarem a se sentir bem (vendo o sangue escorrer e o veneno espalhar-se). Pior: eles podem conseguir aumentar seus exércitos ao te transformar num deles, e como o mundo anda mesmo precisando de mais alguns atiradores profissionais... Let’s keep it loaded.


Meu “arcano pessoal”?!

Ó, falando de mim mesma no blog!
Grande coisa...
Deve ser reflexo da idade... (minha visão e minhas costas que o digam).
Bem, mas o fato é que não tem como não achar muito curiosa a forma como certos
sites tratam de assuntos esotéricos... Eles até que às vezes, de vem em quando, quase nunca, acertam umas coisinhas, não?
Abaixo segue a descrição (comentada por mim) do meu “arcano pessoal”, que foi calculado (sim,
calculado) de acordo com a “Numerologia (Gematria), a análise do nome e as lâminas do Tarot”. E “esse estudo (grifo meu) tem estreita relação com a Kabbalah” ainda por cima. E se você ousar um pouco mais e colocar nesse meio a “Tabela Medieval de Bongo” (!?), fica (uma salada) bem melhor!


Seu Arcano Pessoal é: 6 – Os Enamorados
palavras-chave: escolha e livre-arbítrio

- Acontecimento marcante a nível psicológico aos 6 anos de idade; (Hum... não lembro exatamente a idade...).
- Amor pelo amor; (Basicamente).
- Busca da realização afetiva e dependência emocional; (Busca pela dependência emocional?!?!)
- Faz da relação o seu TUDO; (É...não, nem sempre).
- Carente afetivamente; (Haha!)
- Indecisão e dúvidas acerca da própria capacidade; (Yep!)
- Sociabilidade e simpatia; (Yep! 2, dependendo do dia...).
- Generosidade; (Até demais).
- Delicadeza e carinho; (Curioso..., já me disseram isso...).
- Instabilidade de humor ou temperamento; (Humor).
- Aprecia as artes: poesia, artesanato, moda, música... (Yep! 3).
- Senso estético; (E isso seria...? Haha, brincadeira, acho que é yep! 4).
- Instinto protetor; (Em excesso, portanto, um grande defeito).
- Quer estar bem com todos; (Sempre e às vezes a qualquer custo, outro defeito?).
- Aprecia festas ou encontros em grupo; (Nem tanto, depende muito do “grupo”).
- Precisa vencer as inibições frente a seu potencial; (Jura?! Putz, nem tinha notado isso!).
- Busca o belo e harmônico à sua volta; (Hum... Não... Será? Nunca pensei sobre isso... Acho que não).
- Coloca o coração em tudo o que faz; (Tento).
- Pode titubear diante de algum desafio; (Haha! 2).
- Cuidado com as chantagens emocionais; (Ai, ai... Ainda mando prender todas as criaturas que se valem desse jogo cruel, sujo, baixo, vil... [risos]).
- Trabalhe a subserviência: saiba dizer NÃO quando for necessário; (Ah, que ótimo! Trabalhar como, pelamordedio?!?! Dá a receita, oráculo!!).
- Quer apaziguar brigas ou conflitos; (Já gastei tantas e tantas e tantas horas nisso...).
- Deseja aprovação pessoal; (É bom às vezes, não?).
- Cuide do coração, cabelos, unhas, gânglios em geral; (Okay).
- Romantismo; (Estou parando com isso, gostar de “Closer” ajuda muito... É ácido até os ossos e eu adoro aquilo... Pra mim? É... acho que não... Melhor pensar mais antes de comentar essas “coisas cósmicas” – ê, sonoridade - de tarô).
- Idealismo e imaginação fértil; (Imagina... quase nada).
- Sofre por antecipação; (Nossa, como vocês escrevem coisas absurdas de tão erradas!!).
- Positivo nas relações sociais ou trabalho em equipe; (Tento. 2).
- Cuidado com o conformismo; (É, né? Eu sei, eu sei).
- Expectativa quanto ao próximo: decepciona-se por esperar demais do outro; (Mais um defeito. Se juntar os “yep” e os “defeito” dá quase um time de futebol).
- Sensibilidade aguçada; (Yep! 5)
- Sonha com um mundo melhor; (Tanto que isso me tira o sono e a esperança às vezes.)
- Deseja ser compreendida à altura; (Sempre, mas geralmente fica só no “desejo” mesmo.)
- Cria amizades com facilidade; (Com facilidade?!?! Só se todos se aproximam de mim justamente naquele meu dia cinza-triste, vermelho-sai-da-minha-frente, laranja-desespero, amarelo-florescente-azedo... Já sei! Vou fazer um calendário marcando os dias azuis-plácidos e rosas-se-aproxime e colar por aí com um “ligue djá!” embaixo... É, talvez resolva.)
- Desafios a nível do coração; (Oooohhh! Que dramático!)
- Escolher é difícil; (Mas é claro! Tenta escolher entre trufa e brigadeiro num domingo chuvoso... Você praticamente entra em colapso!)
- Cuidado com o dualismo; (Xiii, mais um “cuidado” e eu desisto dessa lista...)
- Precisa trabalhar a concentração. (É..., totalmente Lucy... Tsc, tsc, tsc.)”.


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tempestade

Desde as 14h uma tempestade vai se formando sobre a cidade. Primeiro começa com aquela atmosfera amarelada, depois vem o vento, as nuvens se fundem e há pouco ela atingiu a tonalidade de olhos castanhos, como já dizia a música. Agora (16h15) estão todos na expectativa de que o céu desabe. A impressão é a de que ele está carregando um peso enorme, já quase afundando sobre nossas cabeças.
É claro que eu não ia ficar em casa olhando tudo isso da janela, assim, vesti o jeans, esqueci o guarda-chuva de propósito e fui andar um pouco.
Passear pelo centro de São Paulo é sempre uma experiência curiosa. Com uma tempestade iminente, essa experiência ganha ainda outras nuances que eu gosto de observar.
Guarda-chuvas para todos os gostos vão aparecendo aqui e ali, o restaurante vazio se prepara para fechar, um homem de paletó passa apressado feito vendaval. Cruzo com um morador de rua andando a esmo na minha frente, olhando um ponto invisível no horizonte. Cruzo também com uma sorridente moça de óculos que me olha nos olhos de forma tão espontânea que me surpreende. O farol demora a fechar e o motoqueiro faz questão de parar quase nos meus pés.
O senhor que engraxa sapatos na esquina continua impassível, um casal de mãos separadas e em silêncio passa no sentido contrário. Um homem de azul se aproxima olhando para o chão, muito dentro de si pra perceber que os pingos de chuva já molham a calçada.
Vejo mais moradores de rua, sentados na mureta em frente à Câmara Municipal, talvez esperando que um dos trovões abale a estrutura do prédio. Passo pela pequena praça e vejo os atendentes da padaria rindo de alguma coisa engraçada. Uma senhora conversa com um porteiro. Chego à locadora e cumprimento o moço que sempre me atende. Na papelaria, compro envelopes.
Na volta um pombo atravessa o meu caminho e fica andando pra lá e pra cá, retardando o meu passo e abrindo as asas. O ônibus passa e bate no guarda-chuva rosa de uma moça distraída. Ela se assusta, mas o sinal abre em seguida e o coração dela desacelera enquanto ela atravessa correndo a faixa de pedestres. No ar paira a expectativa da tempestade que não vem. O céu, docemente, só ameaça.
Sigo meu retorno. O vento bagunça meu cabelo e mais pingos me molham. Não ligo, se saí para a tempestade foi para a encontrar. O morador de rua sem rumo parou, mas ainda fixa seu ponto invisível, agora no asfalto. Entro no elevador e assim volto para o metal, para o vidro e para o teto que me separam do que acontece lá fora.
Mais um trovão. Chego à janela e olho o céu de um cinza profundo. Aguardo ansiosa pela batalha da tempestade sobre o concreto. Vejo os carros enfileirados lá embaixo tentando escapar, e uma inquietação suave vai tomando conta da tarde.
São 17h05, e ainda não choveu.

domingo, 2 de setembro de 2007

Sobre “Babel” e a trilogia

“Babel” (2006) é o terceiro filme da trilogia* do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu. Essa trilogia, também composta pelos filmes “Amores Perros” (2000) e “21 grams” (2003), não é do tipo em que apenas se triparte uma mesma história, ela é um pouco diferente.
Os filmes têm por base acidentes envolvendo automóveis. No caso de “Amores Perros”, o acidente é um choque entre dois carros, sendo que um deles estava em alta velocidade; em “21 grams” há um atropelamento; e, em “Babel”, um ônibus cheio de turistas tem que subitamente interromper seu curso porque uma de suas passageiras está gravemente ferida.
O ponto central dos filmes de Iñárritu é como um acidente pode modificar e atingir de diversas maneiras as vidas das pessoas de alguma forma nele envolvidas. Há casos em que a personagem nem ao menos sabe do ocorrido, mas o que se passa naquele momento em sua vida só está sendo possível pelo fato do acidente ter se dado.
Os três filmes nunca se detêm em apenas uma trama, mas sim em várias, que se interligam tendo o acidente por elo. As personagens das diferentes histórias se encontram casualmente, se cruzam, se conhecem e, assim, têm suas vidas completamente (às vezes até definitivamente) alteradas em razão daquele acontecimento trágico.
Descortinando um pouco cada filme, temos que o interessante em “Amores Perros” é a atmosfera de precariedade, as cores fortes, uma desordem sempre presente, um cheiro de violência e uma espécie de fumaça que deixa tudo ainda mais caótico. As personagens vêm de realidades completamente diferentes e, além do acidente, o que as liga também é o afeto que têm pelos seus animais de estimação: cachorros com grande importância no desenrolar de todas as histórias.
O enfoque desse filme é o amor em suas mais diversas faces: brutal, físico, fraternal, incorrespondido, sem medida. O ódio também aparece, assim como a esperança. A adoração das personagens por seus cachorros nada mais representa do que a base estrutural dos amores humanos, só que essa adoração não impede que a maioria dos cachorros do filme seja morta ou gravemente ferida.
Um dos poucos pontos em que Iñárritu não foi feliz em “Amores Perros” foi na divisão das histórias dos casais em capítulos (estrutura posteriormente utilizada por Almodóvar em “Hable con ella”). Isso acabou por descartar a riqueza que ele teria no desenvolver das tramas se trabalhasse com um corte brusco e com uma edição mais agressiva, sendo esses, aliás, os pontos fortes de “21 grams”, por exemplo.
Assim, “21 grams”, ao ser brilhantemente fragmentado a partir de uma edição que desnorteia quem o assiste, é um filme mais bem acabado e, por isso, melhor que “Amores Perros”. Esse segundo filme da trilogia se estrutura como um quebra-cabeça ou um caleidoscópio, cheio de peças que só se mostram como um todo no final.
Ele trabalha com um conceito que mistura vida e morte. Quando percebemos porque a pergunta “how much does life weight?” é posta como a central do filme, tomamos conhecimento de que há uma relativização da vida e da morte, já que, para que a personagem protagonizada por Sean Penn viva, é necessário que o peso da morte se abata cruelmente sobre a personagem de Naomi Watts.
“21 grams” é perturbador. A idéia sob a qual o filme gira e se constrói toca em pontos como ética, religiosidade, destino, fatalidade e incompreensão de como certas coisas se desenham no mundo. O peso da vida equivale ao peso da morte? A dor que se sente a partir de uma perda trágica pode ser compensada com a vida de um outro alguém? Aí se seguem as últimas falas da personagem de Sean Penn, presentes no final do filme:


“How many lives do we live? How many times do we die? They say we all lose 21 grams... at the exact moment of our death. Everyone. And how much fits into 21 grams? How much is lost? When do we lose 21 grams? How much goes with them? How much is gained? How much is gained? Twenty-one grams. The weight of a stack of five nickels. The weight of a hummingbird. A chocolate bar. How much did 21 grams weigh?”

Agora, finalmente, entremos no melhor filme da trilogia: “Babel”.
Esse terceiro filme de Iñárritu já ganha por relacionar não mais apenas personagens completamente diferentes entre si, mas sim vindas de países e de culturas totalmente distintas. A distância enorme, os costumes e valores discrepantes, a forma como o acidente as atinge, é tudo grandioso e, ao mesmo tempo, singelo, banal e simples.
O acidente em si, que abre o filme, é de uma inocência e de uma casualidade que chocam. A sensação que se tem é a de que estamos diante de um perfeito exemplo do famoso Efeito Borboleta**, parte integrante da Teoria do Caos. Em “Babel”, uma simples brincadeira infantil (“o bater de asas de uma simples borboleta...”) mobiliza e abala vidas em pelo menos três continentes diferentes (“...poderia (...) provocar um tufão do outro lado do mundo”). E aqui está a genialidade e beleza do filme.
Assim, podemos destacar a forte presença do acaso e da fatalidade no desenrolar das histórias e, também, a importância dada às escolhas que fazemos que, por mais simples que sejam no agora, podem ser imensamente significativas no depois.
Além disso, por se embrenhar em culturas diferentes, o filme “Babel” traz um aspecto muito importante nas relações não só interculturais, mas também nas relações pessoais hoje de uma forma geral: o “listen”. Essa é a palavra do filme. As sociedades e as pessoas não se escutam, não se dão ao trabalho de ouvir o outro com o mínimo de atenção, se mantêm cegas e surdas ao que se passa ao seu redor, ignorando e se fechando em seus redutos de metal e vidro, como já dizia aquela frase de abertura do filme “Crash” (2004)***.
O “ouvir” no filme se mostra de forma tão latente que não há como não se identificar com a personagem da atriz Rinko Kikuchi. Não sei se o fato de o cinema oriental hoje estar tão em evidência acabar por gerar essa simpatia, mas, enfim, considero sua personagem como minha favorita no filme.
Concluindo, também acho interessante destacar que as personagens tanto de Brad Pitt como de Cate Blanchett de forma alguma tomam o centro da trama. As histórias que se entrelaçam se equivalem. E o que todas elas despertam no espectador é um sentimento uno e denso, talvez de revolta, talvez de vazio, talvez de desesperança ou, simplesmente, um sentimento de estarrecedora perplexidade.
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* alguns nomeiam a trilogia de Iñárritu como “trilogia da morte”. Eu particularmente acredito ser uma confusão com a “Trilogia da Morte” do cineasta Gus Van Sant, composta pelos filmes “Gerry” (2002), “Elephant” (2003) e “Last Days” (2005). Entretanto, como os três filmes do cineasta mexicano também têm a morte como pano de fundo, podemos considerá-los uma “trilogia da morte”, mesmo sem nunca terem sido oficialmente nomeados como tal.

** recomendo o filme “The Butterfly Effect” (2004).

*** “We're always behind this metal and glass”.

(layout)

Depois de algum suor e memórias de html básico voltando de uma longa viagem, temos um novo layout! Com menos informação visual e menos cores, a casa ficou bem mais arrumada, até mais elegante. =)

Novos posts em breve.

Até!

(detalhe de uma flor)