segunda-feira, 20 de outubro de 2008

(confessionário | associação livre)

às vezes eu queria sair colando minha vida em post-its. espalhar naqueles pedaços de papel amarelo todas as etapas, episódios, pessoas, tudo o que eu lembrasse. tentar organizar um painel e desfiar na observação dele os restos dos meus dias brancos, parados, em silêncio. permanecer na quietude do ficar olhando, na placidez de quem admira um grande quebra-cabeças. essa noite pretendo não dormir. meus braços e ombros estão um tanto pesados, meu coração dispara quando elenco tudo o que ainda me resta a fazer. me falaram, olho no olho, da minha ansiedade transbordante. falaram com aquela sinceridade dura de quem diz a verdade em reprimenda. era uma pessoa estranha que falava, que me olhava, que me reprimia na frente de todos os meus medos como se eu tivesse, novamente, cinco anos de idade. fugi. minúscula, torta, envergonhada. fui me encontrar com uma parede amiga (apoio), depois com uma real amiga (abraço), mas evitei me encontrar comigo mesma (descaso?). ah, como eu compraria um pouco de tempo se vendessem... sem escrúpulos, ética ou pudor, sem pensar, eu trabalharia para comprar minutos, horas. como nos tiram tanto tempo..., e com isso nos roubam a capacidade de pensar, de sentir, de absorver, de ouvir e ser ouvido, de prestar atenção, de se perder e se achar sem a preocupação dos prazos, do ser útil, do cumprimento de expectativas vazias, da relação correta de documentos em mãos e do número exato de assinaturas no pedaço de papel. mundo estúpido. mundo burocraticamente estúpido. temos sempre de provar algos a alguéns. carimbamos, postamos, rubricamos. assassinamos o tempo como se fosse um gostoso hobby. não quero saber das estruturas sociais, da legitimação das instituições, do colapso da sociedade sem seus papéis timbrados, da cartolina adornada que vai mostrar a todos quem (o que) dizem que sou. ponto. mas mesmo assim eu ainda queria tempo... agora, por exemplo, creio que compraria umas vinte horas. dormiria em dez, produziria o que tanto me pedem em dez. estaria disposta. teria alguns minutos para o café, para os olás-tudo-bem. pensando melhor, talvez eu quisesse mais outras dez horas. aí sim conseguiria fechar todos pontos em aberto. dormiria sem preocupações. escutaria um pouco de música. caminharia, quem sabe. um passeio? não, não, isso já é voar alto demais. enfim, só dez horas, seria o suficiente, o necessário. vejo que não preciso mais de post-its. não há pedaços tantos de vida pra colar. ninguém gosta de montar quebra-cabeças de poucas peças. monocromáticas. programadas. tediosas. it’s time to go.


domingo, 19 de outubro de 2008

going away


seus ouvidos suspiravam com o vento a tentar perfurar as janelas. os trilhos macios recebiam sem palavras sua fuga sem volta, e alguém tocava com dedos leves alguma música somewhere. de tempos em tempos, sua cabeça balançava devagar dentro dos acordes, seus lábios ensaiavam um cantarolar suave, e só as árvores grandes tinham tempo de fitar seus olhos e de tocar seus pés insanos a correr do mundo.
o caminho ia sendo engolido aos poucos pelos vazios que deixava pra trás. na dança macia e doce do escapar ela se sentia encontrada no longe, perdida no sempre.
colhia de leve os pensamentos que desejava guardar dentro de si, só para saborear um dia no céu da boca pinceladas de saudade, ou ao menos os restos da nostalgia azul que sua mãe lhe deixara e que carregaria pelo resto da vida. amarrou devagar todas aquelas lembranças com laço de fita, e deixou-as caídas e pálidas na memória do esquecimento.
sorriu. abriu as janelas do trem. permitiu ao vento que machucasse seu rosto e maculasse seus cabelos com cheiro de mato e mar. fixou fundo o horizonte sem forma. os olhos de propósito bem abertos arderam nas lágrimas involuntárias. fosse felicidade, fosse tristeza, realmente não importava. ela só estava indo embora.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

*

de repente algo explodia. mão espalmada na parede gritando socorro. soluços presos no mármore cinza que chorava nossa fome. o azulejo sussurando ‘calma...’, o espelho rindo do olhar morto de vontades. desespero se enroscando nas pernas, veneno sufocando veias, desamparo condensado no suspiro. de repente, (respira) o silêncio doce.

(deitamos famintos, secos, cansados e sós, e dormimos vazios sonhando no talvez).

domingo, 12 de outubro de 2008

Fragmentos # 08

Foi-se o tempo em que eu tentava mudar o mundo a partir de uma casca de noz.

Não gosto quando a gente começa a acreditar nas coisas e então vem uma tempestade de ventos e leva tudo-tudo embora... (“Faríamos floresta do deserto e diamantes de pedaços de vidro”).

Alguém acredita que, mesmo com 23 primaveras completas, eu ainda ganhei presente do Dia das Crianças? Pois é. Minha mãe é a mais incrivelmente legal de todas. Rejuvenesci uns 10 anos comendo bombons. =)
(obs.: minhas duas irmãs, de 18 e 20 anos, também ganharam caixas de bombons como presentes em comemoração ao fato de, para nossa mãe, ainda sermos eternos bebês).

Preciso começar meus estudos para me tornar tradutora-intérprete de silêncios. Ou então fazer um curso de interpretação daquelas frases que querer dizer qualquer outra coisa menos o que realmente dizem. Tudo isso porque ainda não consigo confiar em tudo o que os olhares me contam...



sexta-feira, 10 de outubro de 2008

virando lagarta

hoje acordei com o dobro do meu tamanho. minha pele acolhia pequenas escamas de tom verde. meus olhos se fechavam doloridos com o frescor da luz.
ah, mas ontem, que asas lindas..., tão negras e acetinadas, bastava um sopro para arrepiá-las de cor. afogueadas e densas, tremiam e se enroscavam faceiras no ar, piscavam sorrisos, se orvalhavam na noite. mas hoje, amanheceram vermelhas e tristes, foram ficando laranjas abandonadas, cinzentas sozinhas, brancas e tão caladas... puro pó.
começo a construir devagar meu casulo. vou arrastando meu corpo frágil e flácido pela relva, sonhando com o balanço dos cacos de vento pelo céu. à medida que me esforço para acariciar as folhas secas caídas, convencedo-as a me dar abrigo por um tempo, vou diminuindo. quando consigo entrar no meu casulo já estou tão pequena que quase de mim me perco. fico bem quieta lá no fundo me ouvindo novamente crescer, tendo certeza de alguma vida, saboreando antigos cheiros de maçã. e por uma suave fresta nas folhas vou espiando pedaços do céu, olhando desejosa os amanhãs, só pra poder de novo, quem sabe um dia, virar borboleta.



quinta-feira, 9 de outubro de 2008

morte

(para c.)

e ela carregava nos braços aquela ausência funda, de puro susto pingado nos olhos. acaso, mundo avesso-estranho. os dedos pesados desenhando curvas em vidro, o cacho calado ao lado do ouvido. fios doces de água pendendo da garganta, pequenos suspiros suspensos no teto. ausência pra sempre embalada e segura perto do peito. silêncio.



domingo, 5 de outubro de 2008

“Olhos mortos de sono”

[conto do escritor russo Antón P. Tchékhov]


É noite. A babá Varka*, de uns treze anos, embala o berço da criança e vai ronronando, quase imperceptivelmente:

Báiu-báiuchki-baiú,
Vou cantar-te uma canção...

Arde, em frente da imagem, um candeeiro verde. Estende-se, através do quarto, de um canto a outro, uma corda com cueiros e um enorme par de calças negras. O candeeiro projeta no teto uma grande mancha verde, enquanto os cueiros e as calças lançam sombras compridas sobre o fogão, sobre o berço e sobre Varka... Quando a luz começa a bruxulear, a mancha e as sombras animam-se e põem-se em movimento, como tangidas pelo vento. Falta ar. Cheira a sopra de repolho e couro de botas.
A criança chora. Seu pranto há muito já se tornou rouco e cansado, mas continua gritando e não se sabe quando vai parar. Mas Varka está com sono. Seus olhos grudam, a cabeça pende, dói-lhe o pescoço. Não consegue mover as pálpebras, nem os lábios, e tem a impressão de que seu rosto secou e lenhificou-se, que a cabeça ficou pequena como uma cabeça de alfinete.
- Báiu-báiuchki-báiu, — ronrona — vou fazer-te um mingauzinho...
Um grilo ruida no fogão. Atrás da porta, no quarto vizinho, roncam o patrão e o aprendiz Afanássi... O berço range, como se fora um lamento, Varka vai ronronando - e tudo isto funde-se num canto soturno, acalentador, que é tão doce ouvir, quando se vai para a cama. Agora, porém, esse canto apenas irrita e constrange, porque traz um entorpecimento, e dormir é impossível. Se isso, Deus não o permita, acontecer, os patrões vão moê-la de pancada.
Bruxuleia o candeeiro. A mancha verde e as sombras põem-se em movimento, entram pelos olhos entrecerrados, imóveis, de Varka, confundem-se, em seu cérebro meio adormecido, em imagens nebulosas. Ela vê nuvens escuras, que se perseguem pelo céu, gritando como aquela criança. Mas eis que soprou o vento, sumiram as nuvens, e Varka vê uma estrada larga de macadame, coberta de lama quase líquida. Sobre aquela estrada, carroças deslocam-se devagar em fila, arrastam-se homens de alforje ao ombro e perpassam sombras estranhas. De ambos o lados, vê-se uma floresta, através do nevoeiro gélido. De repente, os homens de alforje e as sombras caem por terra, na lama semilíquida. “Para que isso?”, pergunta Varka. “Dormir, dormir!”, respondem-lhe. E eles adormecem profunda e docemente. Pegas e corvos estão pousados sobre os fios telegráficos, gritam como a criança e procuram acordar os homens.
- Báiu-báiuchki-baiú, vou cantar-te uma canção... — ronrona Varka e já se vê em certa isbá escura, abafada.
Revolve-se no chão o seu falecido pai, Iefim Stiepanov. Ela não o vê, mas ouve como rola de dor e geme. Como diz o doente, a hérnia “tomou conta dele”. A dor é tão forte que ele não pode, agora, dizer palavra e somente sorve o ar e bate os dentes como se bate num tambor.:
- Bu-bu-bu-bu...
Mãe Pielaguéia correu à casa senhorial, para avisar os patrões de que Iefim estava morrendo. Já saiu há muito e está demorando demais. Varka fica deitada sobre o fogão, sem dormir, prestando atenção àquele “bu-bu-bu”. Mas, eis que se
ouve um carro chegar à isbá. Os patrões enviaram para ver o doente um médico jovem, hóspede deles. O médico entra na isbá. Não se consegue vê-lo no escuro, mas ouve-se como tosse e faz barulho com a fechadura.
- Acendam a luz — diz ele.
- Bu-bu-bu... — responde Iefim.
Pielaguéia corre para o fogão, à procura dos fósforos. Depois de um minuto de silêncio, o médico encontra um no bolso e o acende.
- Nesse instante, paizinho, nesse mesmo instante — diz Pielaguéia e corre para fora, um pouco depois, e volta com um toco de vela.
Iefim está com as faces coradas, brilham-lhe os olhos, e o olhar parece estranhamente penetrante, como se pudesse ver através do médico e das paredes.
- E então? O que foi que você inventou? — pergunta-lhe o médico, inclinando-se sobre ele. — O quê! Faz muito tempo que tem isso?
- Como? Chegou a hora da morte, Vossa Nobreza... Vou deixar o mundo dos vivos...
- Chega de bobagem... Vamos curá-lo!
- Seja como quiser, Vossa Nobreza, agradecemos humildemente, mas a gente compreende... Se já chegou a hora da morte, que se vai fazer?
O médico passa um quarto de hora lidando com Iefim, depois se levanta e diz:
- Não posso fazer mais nada... Você deve ir para o hospital, eles vão te operar lá. Vá agora mesmo... Sem falta! Já é um pouco tarde, no hospital estão todos dormindo, mas não faz mal, vou dar a você um bilhetinho. Está ouvindo?
- Mas, como é que ele pode ir, paizinho?— diz Pielaguéia. — Não temos cavalo.
- Não faz mal, falarei com os patrões, eles vão emprestar um.
O médico sai, apaga-se a vela e escuta-se novamente: “bu-bu-bu”... Depois de meia hora, ouve-se chegar à isbá uma telega pequena, enviada pelos patrões, Iefim apronta-se e vai...
Mas, eis que chega uma clara, luminosa manhã. Pielaguéia foi ao hospital para se informar sobre Iefim. Uma criança chora e Varka ouve alguém cantar, com a sua voz:
- Báiu-báiuchki-baiú, vou cantar-te uma canção...
Volta Pielaguéia, persigna-se e murmura:
- De noite, eles o operaram e, de manhãzinha, entregou a alma a Deus... Que esteja em paz, lá no céu... Dizem que o levamos para lá muito tarde...
Varka vai para o mato e chora lá. Mas, eis que alguém lhe bateu na nuca, com tanta força que sua testa choca-se contra uma bétula. Ergue os olhos e vê, diante de si, o patrão sapateiro.
- Que está fazendo, porca? A criança chora e você está dormindo.
Puxa-lhe a orelha com força. Ela sacode a cabeça e torna a balançar o berço e a ronronar sua canção. A mancha verde e as sombras das calças e dos cueiros balançam-se, piscam-lhe e, pouco depois, dominam-lhe novamente o cérebro. Vê mais uma vez a estrada de macadame, coberta de lama semilíquida. Os homens de alforje às costas e as sombras estão estirados e dormem profundamente. Vendo-os, Varka sente uma vontade louca de dormir, dormir com toda a alma; mãe Pielaguéia, porém, caminha a seu lado, apressando-a . Vão à cidade pedir emprego.
—Uma esmolinha, pelo amor de Deus! —implora a mãe aos transeuntes. — Por caridade, meus bons senhores!
- Me dá a criança! —responde-lhe uma voz conhecida. — Me dá a criança! — repete a mesma voz, mas agora já abruptamente, com rancor. — Está dormindo, animal?
Varka levanta-se de um salto e, olhando em redor, compreende o que sucedeu: não hás mais estrada, nem Pielaguéia, nem gente, mas, no meio do quarto, está a patroa, que veio amamentar a criança. Enquanto a patroa gorda, de ombros largos, alimenta a acalma a criança, Varka olha-a de pé, esperando que acabe. Além das janelas, o ar já está se tornando azul, empalidecem as sombras e a mancha verde no reto. Não demora a manhã.
- Toma! — diz a patroa, abotoando a camisola sobre o peito. — Está chorando. Deve ser mau-olhado.
Varka apanha a criança, deita-a no berço e recomeça a embalá-la. A mancha verde e as sombras desaparecem pouco a pouco e já não há ninguém que se esgueire para dentro de sua cabeça e enevoe-lhe o cérebro. Mas não passou o sono, um sono terrível! Varka deitas a cabeça na beirada do berço e balança-se com todo o corpo, a fim de dominar este sono, mas, apesar de tudo, seus olhos estão grudados e pesa-lhe a cabeça.
- Varka, vai acender o fogão! — ressoa a voz do patrão, atrás da porta.
Quer dizer que já é tempo de se levantar e começar o trabalho. Varka deixa o berço e corre a buscar lenha no depósito. Está contente. Quando se anda ou corre, não se tem tanto sono. Traz lenha, acende o fogão e sente voltar a si o rosto lenhificado e aclararem-se as idéias.
- Varka, vai pôr o samovar! — grita a patroa.
Varka pica a lenha em gravetos, mas apenas tem tempo de acendê-los e enfiá-los no samovar, já se ouve nova ordem:
- Varka, limpa as galochas do patrão!
Senta-se no chão, limpa as galochas e pensa em como seria bom enfiar a cabeça numa galocha grande e funda e cochilar um pouco... De repente, a galocha cresce, fica inchada, enche todo o quarto. Varka deixa cair a escova, mas, no mesmo instante, sacode a cabeça, arregala os olhos, procura fazer com que os objetos não cresçam e não se movam em seus olhos.
- Varka, vai lavar a escada lá fora, que até dá vergonha perante os fregueses!
Varka lava a escada, arruma os quartos, depois acende outro fogão e corre à venda. Há muito serviço, não sobra um instante de lazer.
Mas, não há nada tão difícil como ficar parada, diante da mesa da cozinha, e descascar batata. A cabeça tende a pender sobre a mesa, a batata parece saltitar-lhe nos olhos, a faca tomba-lhe da mão. Ao lado dela, vai andando de um lado para outro a patroa gorda e zangada, de mangas arregaçadas, e fala tão alto que sua voz reboa no ouvido. É outra tortura servir à mesa, um inferno lavar roupa, costurar. Há momentos em que se tem vontade de não ligar a coisa alguma, arremessar-se ao chão e dormir.
Passa o dia. Vendo a escuridão chegar às janelas, Varka aperta com as mãos as têmporas, que tendem a lenhificar-se e sorri, sem saber por quê. A treva acaricia-lhe os olhos que grudam e promete-lhe um sono forte, para daqui a pouco. De noite, chegam visitas.
- Varka, vai pôr o samovar! — grita a patroa.
O samovar é pequeno e, antes que as visitas se dêem por satisfeitas, torna-se necessário esquentá-lo umas cinco vezes. Depois do chá, Varka passa uma hora inteira, parada, olhando as visitas e esperando ordens.
- Varka, corre para comprar três garrafas de cerveja!
Levanta-se de um salto e procura correr o mais depressa possível, para enxotar o sono.
- Varka, vai buscar vodca! Varka, onde está o saca-rolhas? Varka, limpa os arenques!
Mas, eis que as visitas se foram, finalmente. Apagam-se as luzes, os patrões vão dormir.
- Varka, embala a criança! — ressoa a ordem derradeira. Um grilo trila no fogão. A mancha verde no teto e as sombras das calças e dos cueiros esgueiram-se novamente para os olhos entrecerrados de Varka, bruxuleiam e enevoam-lhe a cabeça.
- Báiu-báiuchki-baiú, — ronrona — vou cantar-te uma canção...
Mas a criança grita, extenua-se de tanto berrar. Varka vê novamente o macadame lamacento, os homens de alforje às costas, Pielaguéia, pai Iefi. Compreende tudo, reconhece a todos, mas, através da modorra, somente não consegue compreender aquele força que lhe amarra pés e mãos, que a esmaga e impede-lhe a vida. Olha ao redor, procura aquela força, para se livrar dela, mas não a encontra. Por fim, extenuada, concentra todas as energias e todo o seu olhar, espia para cima, para a mancha verde que bruxuleia e, prestando atenção aos gritos, encontra o inimigo que a impede de viver.
O inimigo é a criança.
Ri. Acha estranho que, até então, não tenha compreendido uma coisa tão simples. A mancha verde, as sombras e o grilo parecem rir igualmente, surpreendidos.
A idéia absurda toma conta de Varka. Ergue-se do tamborete e passeia pelo quarto, sem piscar, um sorriso largo no rosto. Está contente e excitada com a idéia de que, dentro de um instante, vai livrar-se da criança, que a deixa amarrada de pés e mãos... Matar a criança e, depois, dormir, dormir, dormir...
Rindo, pestanejando e ameaçando a mancha verde com os dedos, Varka aproxima-se cautelosa do berço e inclina-se sobre a criança. Depois de estrangulá-la, deita-se rapidamente no chão, ri de alegria porque já pode dormir e, um instante depois, dorme profundamente, como se estivesse morta...


(1888)



* diminutivo de Varvara.