sábado, 29 de março de 2008

Elle pleut

a M. C.
Acordada de olhos fechados, descala-se.
Sobe a teia líquida quase chorosa.
Viola a porta.
Entra.
Respira um seu ser plural.
Desfolha-se.
Tateia suave a vastidão. Toca em cada sulco no caminho de veias, em cada nó largado, em cada canto caído.
Abismos perdidos, lampejos de pó.
Formada de muitos outros e tantos tudos, machuca as mãos num rio bravio de vento. Seu tempo poente, cadente. Suas estórias afogadas. E seu soluço contente, sou gentes, afaga.
Acordada de olhos fechados, deságua-se. Espalma o leito cicatrizado de tantos ninguéns. Olhos espreitando memórias presas. Conchas azuis e lentas. Restos de momentos imensos e densos e sós... Aglutina-se. Engole fundo todos os tantos e os muitos tudos. Pérolas ásperas lhe raspam a mente. E gotas suaves lhe formam o sonho mais incerto. O pesadelo mais bonito. A ilusão mais exata.

E a noite se abre completa, longa e plena...

E explode-se.

Acorda.

Chove cinzas e gotas verdes na janela.

E de olhos abertos, garganta adormecida, lúcida decide:

guarda-a-chuva.