segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Sobre “Little Miss Sunshine”

“Who is that? Nietzsche? So you stopped talking
because of Friedrich Nietzsche? Far out”.
(Frank para Dwayne in Little Miss Sunshine)

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“Everyone, just... pretend to be normal”.
(Richard in
Little Miss Sunshine)

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Eu ainda não tinha assistido a “Little Miss Sunshine” quando me falaram dele como “um Amélie Poulain, só que americano”. Logo depois que o assisti, por algum desses dias, fiquei pensando se ele realmente seria só uma versão americanizada do “Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain” e, sinceramente, cheguei à conclusão de que a comparação não poderia ser feita assim de um modo tão direto.
É claro que há pontos de contato entre o filme americano e o francês, mas acredito que “Little Miss Sunshine”, por mais que tenha um final positivo e altruísta, toca em pontos mais sensíveis e menos engraçados do que aqueles retratados pela visão peculiar da personagem de Audrey Tatou.
Esses pontos se desdobram sobre assuntos como a incomunicabilidade, o desejo de realizar sonhos impossíveis, a decepção, a falta de atenção entre pessoas que vivem tão próximas, o isolamento e o individualismo (“where's Olive?”), a inocência, o egoísmo, a valorização de padrões de beleza inúteis, o preconceito, a crença em universos falsos, de plástico, de isopor, que desmoronam de um momento a outro. Enfim, é um grande questionamento sobre o que realmente importa, sobre o que vale a pena como valores para a vida e como forma de convivência com aqueles que você ama.
Uma das coisas que me chamou a atenção em “Little Miss Sunshine” foi o encadeamento na apresentação das personagens, ainda no início do filme. Cada uma vai aparecendo com a sua esquisitice maior (“
she's a superfreak”, como diz uma das letras da trilha sonora), com o seu ponto fraco, com aquilo que a faz ser loser num mundo de winners*. A mãe fumante, o pai que filosofa uma alto-ajuda barata, o tio suicida (e também o maior estudante de Proust dos Estados Unidos, remarquemos isso), o irmão adolescente silenciado por uma promessa impossível de ser realizada e mergulhado nas idéias de Nietzsche, o avô viciado em drogas e, claro, a nossa pequena Olive, que sonha em ser miss.
A cena inicial é linda, e a trilha sonora que a segue cai perfeitamente. Olive vendo e revendo uma fita com a reação de uma miss que acaba de vencer um concurso. Olive assiste a essa cena com os olhos acesos atrás daqueles óculos enormes, o rosto redondo e iluminado, em devaneio, num sonho que acaba por envolver toda a família e fazer com que, a partir de uma viagem pra lá de inusitada e, também, a partir da revelação da verdadeira estrutura da família e de cada um deles, eles se unam e percebam que ser diferente, não fazer parte, que sofrer e aprender com isso, enfim, que todas as coisas que todos excluem e desprezam, no final (pasmem!), são as melhores
. E é incrível como eu concordo absolutamente com isso.
Uma das cenas mais fortes é aquela em que Dwayne, irmão mais velho de Olive, descobre ser daltônico. É como um castelo de espuma que vai se desfazendo a cada batida desesperada que ele dá na parte interna do carro. E o castelo implode com aquele grito, que é nosso também. É aquele que você dá quando as coisas não vão bem e a sua vida acaba se quebrando aos seus pés. Mas, talvez, o abraço desajeitado de uma Olive a qual poucos enxergam de verdade nos ponha em pé novamente, pra pegar o carro e voltar a seguir essa viagem ensandecida, seja lá para onde estivermos indo.
Aconselho “Little Miss Sunshine”. Não como uma versão de um famoso filme francês, mas como um filme simples, daqueles que você assiste num sábado à tarde qualquer, ensolarado ou não. Entre naquela kombi amarela, acompanhe Olive na viagem para o concurso Little Miss Sunshine. É o sonho dela. É tanto nesse percurso quanto chegando lá que ela e sua família aprendem o que realmente importa, o que vale a pena valorizar. E talvez a gente aprenda um pouco com eles também.

(A trilha sonora é sensacional).

* ilustro a filosofia por trás do filme.

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