terça-feira, 27 de novembro de 2007

Manhã, coelho azul

Era sempre como se espreguiçar numa teia de aranha gigante, pendente do céu. Ou então como rodopiar sem medo de cair. Era como receber o telefonema tão inesperado da pessoa mais adorada. Como dançar com o desajeito de quem não sabe articular em harmonia os pedaços do corpo.
Era só mais uma manhã perdida, empurrada pelo tempo contínuo de uma palavra qualquer. Era só mais um suspiro fundo de uma sede sem fim. Era só um toque na nuca, um vão aberto na alma. Uma manhã de sol lindo, lindo, com algodão espelhado na pele, espalhado no ar, grudado no pulmão. (Breath, breath, little girl, take a deep breath and open your beautiful eyes to me).
Só mais uma manhã, jogada no calendário como um número inútil que engole o tempo. E o som pesado, o marasmo quase choroso, o tédio de uma solidão perdida ali naquele canto onde um coelho azul acabou de se esconder. Sim, um coelho azul, azul. E triste, triste.
Um coelho que corre para o seu castelo de cartas, dentro de uma cerca de vidro, sob um grande lençol quadriculado de promessas e vento. Um coelho azul que fica lá com os seus olhos enormes observando a teia de aranha, o corpo sem articulação, o algodão desperdiçado num sol branco de espasmos. Ele se assusta sempre, com cada estalo das árvores, com cada folha que se joga lá de cima no suicídio natural de se espatifar no chão. Ele se assusta com o azul gêmeo do céu, com os cheiros da realidade, com o gelado de cada gota orvalhada que a manhã lhe cospe, doucement. Ele se assusta, e todo enrolado se encolhe em seu lençol, se apóia
no vidro, se perde nas paredes do seu castelo de puro papel.
Ali era sempre como segurar o coelho azul no colo e afundar os dedos naquelas orelhas de anil aneladas. Era sempre como ter uma incomum bola de pêlos protegida e aquecida entre os braços. Era sempre, sempre como ter um lindo coelho azul amarrado dentro da garganta.

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