sábado, 23 de junho de 2007

Sobre “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”

* Montauk

“Why do I fall in love with every woman I see who shows me the least bit of attention?”

Com essa frase Joel abre as portas do filme “Eternal Sunshine of the Spotless Mind” e descortina também a janela pela qual se jogam todos os solitários do mundo: a de inconscientemente se apegar a todo ser que lhe doa o mínimo de atenção e carinho.
O encontro de Joel e Clementine, tanto ao acaso, na praia, quanto no trem em que se encontram após seus esquecimentos, é a ligação de dois desencontrados e opostos que não se completam nem anulam, mas apenas existem e, principalmente, tentam coexistir dentro da gota de beleza que é o sentimento que acabou por os unir, seja ele o amor ou, em essência, a própria solidão em si.
Qualquer união entre dois solitários, seja ela por amor ou solidão, é frágil como uma brisa que desfalece ao toque de algo sólido. Para os desencontrados, o desmoronamento do único reduto de beleza e salvação por eles mesmos criado gera a abertura de um abismo. O sólido que destrói a brisa (no caso de Joel e Clementine foi apenas uma frase grosseira dita num momento de ciúme e ódio) traz a dor e, através dela, se deseja com todas as forças o total esquecimento daquele ser tão maravilhoso e maldito que teve a oportunidade de mudar sua vida sem graça nas mãos e a esmagou, e a esmaga principalmente agora, com sua ausência.
Não creio que a fragilidade de uma união entre solitários seja maior ou menor do que a de uma união entre não-solitários (supondo que pessoas não-solitárias existam). Toda e qualquer relação (nesse caso amorosa) entre seres humanos é frágil. O problema da relação entre solitários é que essa fragilidade toma proporções maiores e mais profundas, pois aquela relação é para eles a única e última chance para se ter o fim da inquietude de se ser só. É importante. É tudo.
Assim, a união que poderia mudar uma realidade indesejada, ao desmoronar e abrir o abismo, se transforma em pó. Num processo corrosivo de destruição, as lembranças vão sendo desintegradas e o outro vai sendo apagado violentamente por aquele que sofre a ausência, ausência essa que agora é mais intensa por ser na verdade um reencontro com a solidão.
Mas, e como se apagam os sentimentos?
As memórias se apagam. No filme pode-se apagar completamente todas as lembranças. Mas como se ver livre dos sentimentos que fazem com que, por exemplo, Joel, inesperadamente e sem saber a razão, saia correndo de sua plataforma e entre num trem para Montauk? É possível, mesmo se tendo excluído completamente o outro de si, não se achar de repente dentro de um trem para Montauk sem se saber o motivo, apenas percebendo que há ali uma força maior em exercício pleno?
Algum tipo de sentimento o leva naquela manhã para Montauk, o único lugar que a racionalidade de sua consciência ou sua fúria frente ao abandono não conseguiu destruir. Montauk está em seu inconsciente, é um lugar que nada mais é do que um símbolo, o símbolo da expressão do sentimento do qual ele pensou ter se livrado.
Sentimentos não surgem ou são apagados a partir de um desejo racional de se iniciá-los ou de neles se pôr um fim. Não há um botão a ser apertado ou um manual a ser seguido. Não são conscientes e não se traduzem. Eles só vêm e vão. Independentemente da vontade, é impossível se fechar a trilha para Montauk.

* “Just wait... for a while”. (Joel)

O triste e mais interessante de se observar é que o encontro entre Joel e Clementine é finito. Um dia tudo acabará e os dois voltarão a ser solitários.
Não sei se com essa finitude das relações é realmente possível se ver a liberdade frente à solidão, já que o desfecho é sempre sabido de antemão... Entretanto, o ponto aqui em questão é o ideal do carpe diem
: aproveitar enquanto há o que ser aproveitado, pois “by morning, you'll be gone” (Joel):

Clementine: “This is it, Joel. It's gonna be gone soon”.
Joel: “I know”.
Clementine: “What do we do?”
Joel: “Enjoy it”.

Tanto esse “enjoy it” quanto o “ok” da última cena do filme é justamente o compromisso de se coexistir enquanto for possível, para assim se construir algo melhor. E esse algo melhor só é percebido em sua totalidade após o fim de tudo, pois ele é a memória. As lembranças é só o que lhes resta, é o que de mais valioso sobrará e durará daquele momento de coexistência e união com o seu solitário (e temporário) par.
Porém, o mais desolador disso tudo é a não consciência de que a lembrança é só o que realmente restará. Dentro do estado de angústia ao se estar caindo no abismo do abandono e novamente frente à solidão crua, procura-se apagar tudo. Apaga-se cada pedaço da memória numa tentativa desesperada de se acabar com a dor e soldar o coração partido, sem se notar que as lembranças são justamente o melhor consolo e a melhor cola.

* “What if you take me somewhere else, somewhere where I don’t belong?” (Clementine)

Joel e Clementine são como água e óleo, não basta tentarem ficar juntos se valendo do detergente de seus sentimentos um pelo outro. Ela odeia sua expressão de cachorrinho abandonado. Ele odeia a estupidez de seus cabelos coloridos. Ele é retraído. Ela é impulsiva. Ele desenha. Ela bebe. Ele é covarde. Ela desdenha. O que fazer?
Acho que não há como existir aqui a idéia clichê de completude. É claro que esse é um desejo natural e uma busca utópica humana, mas, no caso de Joel e Clementine, é principalmente a
idéia de se ter um contato brusco, profundo e intenso com aquilo que não se é.
Um foi levado pela geografia do outro a uma nova galáxia, e por esse motivo talvez “Joel + Clementine” seja finito. Por esse motivo talvez eles apagaram suas memórias. Por essa razão neles ainda permaneceu Montauk...

Não sei, não sei. Tudo muito complexo.

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Goodbye.
[
“Let's pretend we had one”. (Clementine)]

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(texto escrito no dia 28 de Maio de 2007 às 3am)

(o nome do filme foi retirado do famoso poema “Eloisa to Abelard” de Alexander Pope. A história verídica de Eloisa e Abelard remete ao ideal de que nada pode apagar lembranças ou a força de um sentimento).

(editando às 23h32 do dia 30 de Abril de 2008 > notícia interessante)

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