quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sobre a autoridade

É interessante observar às vezes como se configura o nascimento e o desenvolvimento de certas coisas como, por exemplo, grupos organizados em prol de atividades e discussões que se pretendem como pontos de partida para a mudança de realidades indesejadas.
É evidente que o mundo, sendo mediado pela palavra, deve ser discutido por todos e por longo tempo, pois é apenas através da troca de idéias e da pluralidade de discursos que poderemos, cada vez mais e melhor, compreender este mundo. Além disso, ações que visem a construção de uma coletividade sem tantas desigualdades, com mais respeito, com circulação livre de cultura e de posicionamentos diversos trazem à imaginação do mais desconfiado e desesperançado (ex) utopista um vislumbre de que talvez finalmente algo aconteça.
Só que quem é (muito) desconfiado sempre se mantém na retaguarda, até que lhe dêem abertura suficiente para que ele se deixe levar e, com o tempo, adquira confiança em algo. Dessa forma, grupos organizados sob o pressuposto de que todos têm voz e participação igualitária só se tornam um conjunto passível de crença de um desconfiado / (ex) utopista quando todos os que dele fazem parte realmente tiverem voz, participação, autonomia e opiniões ouvidas e levadas em consideração de igual maneira e por todos.
Sabemos que um grupo cujo funcionamento pretenda se configurar dessa forma está fadado a correr riscos de fracasso. Atualmente, com a guerra quase sanguinária em busca de uma posição de destaque nos diversos setores da vida, com a valorização do aspecto econômico acima do pessoal (ou uso do pessoal para sucesso do econômico, prática essa já corriqueira), enfim, com toda uma estrutura social que posiciona o “eu” num nível sempre acima e acima, o que esperar de um grupo inserido numa realidade como essa e que mesmo assim posiciona o coletivo numa perspectiva prioritária? As respostas são muitas. Podemos tentar desvendar algumas delas.
Primeiramente, é óbvio que nesse coletivo vozes serão engolidas por outras vozes, e as que se fizerem ouvidas começarão a exercer a faculdade da manipulação, angariando para si a idéia de portadoras da verdade. Ao conseguir construir essa imagem, essa ou essas vozes que “falaram mais alto” tomam posse do que podemos chamar de liderança, de autoridade.
A autoridade, ao contrário do que muitos acham, não é algo ruim. Figuras que apontem um direcionamento organizacional, que representem ideais de comportamento e/ou que se coloquem como exemplos a serem seguidos, são essenciais para que haja parâmetros, caminhos, direcionamentos viáveis para onde se ir. Entretanto, essas pessoas não se auto-proclamam figuras de autoridade ou conquistam esta através de jogos de poder. Geralmente, a autoridade lhes é conferida pelos outros, devido às suas capacidades de sustentação de verdades baseadas justamente no coletivo, ou seja, aqueles que conquistam involuntariamente para si a autoridade são simplesmente aqueles que sabem ordenar toda a diversidade de vozes de um coletivo num consenso que esteja de acordo com a grande maioria.
A autoridade é, ainda, baseada primeiramente na liberdade. Aquele que recebeu a autoridade do coletivo saberá fazer uso dela a partir do momento em que souber ouvir e deixar que cada um aja de acordo consigo mesmo. A liberdade de ação e pensamento que a autoridade permite se baseia na idéia do conselho. Alguém que detenha a autoridade não pode jamais tentar, com ela, impor sua opinião ou manipular as partes do coletivo de acordo com sua causa individual, mas sim deve apenas aconselhar, deixando com que cada um escolha se deve ou não se submeter à verdade coletiva proferida por esse alguém a quem foi concedida a autoridade. As partes do coletivo exercem, assim, a sua liberdade de escolha.
Uma autoridade sensata e que respeita e considera igualitariamente todos os sujeitos de um grupo que tem objetivos comuns, ou seja, uma verdadeira autoridade, não terá dificuldades para se fazer ouvir e, por fim, receber a seu favor as livres escolhas das partes de um coletivo. Decisões impostas, pareceres interesseiros e abuso de poder nunca conseguirão esculpir uma figura de autoridade na qual confiamos, mas sim conseguirá esculpir uma na qual não depositamos o nosso respeito ou que apenas obedecemos por temê-la (a persuasão pela opressão é um dos exemplos mais requintados de violência).


[texto em construção, 21/11]



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