quinta-feira, 1 de maio de 2008

Un petit mélange...

Sobre “Abre los ojos” (1997), “Vanilla Sky” (2001), trilogia “Matrix” (1999-2003), “Ensaio sobre a Cegueira” (José Saramago), “Blindness” (2008), Noémia de Sousa, Mia Couto, Hannah Arendt e déjà vus (não necessariamente nessa ordem).


Acredito que as referências acima deixam transparecer inicialmente pelo menos dois grandes eixos temáticos que, a meu ver, são congruentes: percepção da realidade e visão. Porém, é possível notar também que esse texto provavelmente seguirá pelos mais diferentes caminhos, tocando em assuntos que à primeira vista não se encaixariam entre si.
Dessa forma, acho necessário deixar claro que o fato de assuntos tão díspares aparecem encadeados num mesmo espaço é fruto de uma relação incessante entre pensamentos que não
consigo evitar, mesmo estando sob a proposta de escrever única e exclusivamente sobre a e b. As reflexões surgem interligadas umas às outras e meus dedos seguem esse fluxo que, no final, consegue amarrar num mesmo texto, por exemplo, idéias discutidas num filme como “Matrix” ou “Abre los ojos”, nuances da poética de Mia Couto e pontos da teoria filosófica de Hannah Arendt. Vai entender...



Assisti ao filme “Vanilla Sky” (2001), de Cameron Crowe, já há alguns anos. Até então eu não sabia que ele era uma refilmagem de um filme chamado “Abre los ojos” (1997), do diretor Alejandro Amenábar (mesmo diretor de “Mar Adentro” (2004), que assistirei em breve). Assim, sabendo desse fato recentemente, consegui assistir a “Abre los ojos”.
A minha intenção não é comparar o original com o
remake, mas sim discutir a questão da percepção da realidade e de como podemos, com ou sem máquinas para congelar nossos corpos e criar para nós realidades virtuais, viver num mundo à parte daquele considerado “real”.
Os sonhos são um bom exemplo de vivência numa realidade criada na maioria das vezes inconscientemente por nós mesmos. O sonhar é a experiência mais clara e simples de criação de uma realidade paralela onde tomamos as decisões e interagimos num plano diferente, desenhado, modificado e comandado por nós mesmos muitas vezes sem que sequer saibamos. É uma realidade sem as interferências do acaso, sem as coincidências inexplicáveis ou os problemas insolúveis da vida real. E como essa realidade criada só existe enquanto dormimos, muitas vezes ela surge apenas como uma extensão distorcida do que vivemos no cotidiano.
Uma realidade distorcida pelo cérebro às vezes é de tal modo apresentada a nós que não é raro sentirmos dificuldade em separar o que aconteceu no mundo empírico do que foi apenas sonho. Essa dificuldade gera lembranças falsas na nossa memória, chegando ao ponto de cultivarmos certas imagens que nunca aconteceram na realidade, sendo elas apenas frutos de sonhos marcantes.

A trilogia Matrix (1999-2003) trouxe um bom exemplo de realidade virtualmente criada. Porém, paradoxalmente, ela seria justamente a nossa realidade palpável, criada com nuances perfeitas por programas computacionais. A nossa realidade seria uma ilusão criada pela tecnologia para que a realidade verdadeira permanecesse conhecida somente pelos escolhidos, pelos Neos, Trinities, Morpheus e seus
plugs na nuca. (Se surgir a oportunidade, que sigamos os coelhos brancos sem hesitar).
A ciência é um ponto importante no desenvolvimento de outras percepções de realidade. Em “Abre los ojos” e “Vanilla Sky”, ela é essencial para o congelamento corpóreo e também para a possibilidade de criação de uma seqüência da vida no plano das idéias. E, além disso, é evidente que por trás do congelamento / interrompimento da vida para a vivência de uma outra, fantasiosa, há um desejo de imortalidade e de retardamento da velhice ou, pelo menos, um anseio de viver numa época futura, na esperança de que no futuro haja uma existência melhor.
Eu acredito que esse vislumbre de que o futuro será sempre melhor, numa idéia de progresso e de evolução constantes com o passar do tempo, revela uma certa ingenuidade desesperada. Por isso eu gosto tanto da concepção cíclica de História quanto da idéia de que a História não se repete nunca, sendo passível de eventos extraordinários e inesperados pela razão do mundo estar sempre em constante renovação com a chegada de seres novos e únicos, ou seja, as crianças e os jovens. Esta última concepção está presente, por exemplo, nas reflexões de Hannah Arendt.
Ainda em relação ao futuro, preciso entrar novamente no mundo de Matrix e assim chegar aos
déjà vus. Acho impossível não lembrar da famosa cena em que a personagem de Keanu Reeves diz, ao ver o mesmo gato duas vezes, ter tido uma espécie de déjà vu, tomando ele aqui conhecimento de que está diante de uma falha na Matrix. Assim, o que realmente seriam os déjà vus? (Uma falha na Matrix?)
Tenho certeza de que a Wikipedia deve trazer explicações plausíveis para esse fenômeno, porém, nenhuma delas deve chegar a explicar convincentemente de modo que saibamos não estar diante de algo no mínimo estranho. Não sei se todas as pessoas têm ou já tiveram déjà vus, o que posso dizer é que a sensação é a de uma espécie de perda, uma queda num momentâneo precipício onde espaço e tempo perdem suas referências de aqui e agora. Você, por um ou poucos segundos, pára no tempo e se questiona silenciosamente sobre o que é passado, presente e futuro. É uma experiência extremamente curiosa para os não muito fracos de coração, afinal, é uma falha na nossa realidade ou, como dizem, na Matrix.
Os
déjà vus obviamente estão relacionados ao já vivido, porém, vejo-os na verdade sempre como uma união momentânea entre presente, passado e futuro. E como eles se apresentam como uma queda num precipício, acho que o que há de mais amedrontador é o não vislumbre de um futuro, já que nos sentimos presos entre o presente e o passado, sem ter uma idéia exata de onde estamos ou, melhor, sabendo que estamos num vão do tempo, numa realidade atemporal. No filme “Abra los ojos” há uma personagem que diz que os déjà vus são apenas um lapso do cérebro relacionado à percepção. Talvez seja só isso.
Falando em percepção, temos que, para sabermos o que é verdadeiramente real, é inevitável que usemos os nossos cinco sentidos. Entretanto, creio que o sentido mais ligado à percepção seja a visão. Assim, chegamos a um assunto muito interessante: qual é a nossa real capacidade de enxergar?
Não há como falar de visão sem mencionar o maravilhoso livro “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, que foi recentemente adaptado para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles. [...]


[post em desenvolvimento / 28 de julho de 2008, 01h]


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