segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tempestade

Desde as 14h uma tempestade vai se formando sobre a cidade. Primeiro começa com aquela atmosfera amarelada, depois vem o vento, as nuvens se fundem e há pouco ela atingiu a tonalidade de olhos castanhos, como já dizia a música. Agora (16h15) estão todos na expectativa de que o céu desabe. A impressão é a de que ele está carregando um peso enorme, já quase afundando sobre nossas cabeças.
É claro que eu não ia ficar em casa olhando tudo isso da janela, assim, vesti o jeans, esqueci o guarda-chuva de propósito e fui andar um pouco.
Passear pelo centro de São Paulo é sempre uma experiência curiosa. Com uma tempestade iminente, essa experiência ganha ainda outras nuances que eu gosto de observar.
Guarda-chuvas para todos os gostos vão aparecendo aqui e ali, o restaurante vazio se prepara para fechar, um homem de paletó passa apressado feito vendaval. Cruzo com um morador de rua andando a esmo na minha frente, olhando um ponto invisível no horizonte. Cruzo também com uma sorridente moça de óculos que me olha nos olhos de forma tão espontânea que me surpreende. O farol demora a fechar e o motoqueiro faz questão de parar quase nos meus pés.
O senhor que engraxa sapatos na esquina continua impassível, um casal de mãos separadas e em silêncio passa no sentido contrário. Um homem de azul se aproxima olhando para o chão, muito dentro de si pra perceber que os pingos de chuva já molham a calçada.
Vejo mais moradores de rua, sentados na mureta em frente à Câmara Municipal, talvez esperando que um dos trovões abale a estrutura do prédio. Passo pela pequena praça e vejo os atendentes da padaria rindo de alguma coisa engraçada. Uma senhora conversa com um porteiro. Chego à locadora e cumprimento o moço que sempre me atende. Na papelaria, compro envelopes.
Na volta um pombo atravessa o meu caminho e fica andando pra lá e pra cá, retardando o meu passo e abrindo as asas. O ônibus passa e bate no guarda-chuva rosa de uma moça distraída. Ela se assusta, mas o sinal abre em seguida e o coração dela desacelera enquanto ela atravessa correndo a faixa de pedestres. No ar paira a expectativa da tempestade que não vem. O céu, docemente, só ameaça.
Sigo meu retorno. O vento bagunça meu cabelo e mais pingos me molham. Não ligo, se saí para a tempestade foi para a encontrar. O morador de rua sem rumo parou, mas ainda fixa seu ponto invisível, agora no asfalto. Entro no elevador e assim volto para o metal, para o vidro e para o teto que me separam do que acontece lá fora.
Mais um trovão. Chego à janela e olho o céu de um cinza profundo. Aguardo ansiosa pela batalha da tempestade sobre o concreto. Vejo os carros enfileirados lá embaixo tentando escapar, e uma inquietação suave vai tomando conta da tarde.
São 17h05, e ainda não choveu.

Nenhum comentário: