domingo, 6 de abril de 2008

To be lost

“so many things seem filled with the intent / to be lost (…)”.
(trecho do poema
One art, Elizabeth Bishop)

Ela tinha acabado de me perguntar sobre os minutos do tempo quando ele parou. Esbarrei meus olhos sobre a gota de suor que deslizava em sua nuca e inundava fios nervosos querendo se libertar do cabelo mal preso. Fui perdendo o senso de espaço e me espreguiçando em pele e cor, em pedaços, texturas, cheiros e dimensões. Derramei nela todo o meu ser enquanto o céu explodia e vazava. / O cabelo que se desprendeu me mostrou o desajeito dela ao se curvar, prendê-lo, ao fechar-se em mil fios e copas. Dedos angulosos que pra lá e pra cá dançavam e prendiam mais e mais mechas sem piedade. Ela encarcerando seu cabelo e nele afogando todo meu ar. / Sua mão que num repente se jogou violenta sobre a barra de ferro. Meu pulso que sussurrava silêncio em seu ombro. O ônibus que voltava a andar. E eu que a sentia tão sozinha. Com uma vida desesperada. / Pela transparência do vidro consegui escalar seus olhos. Dos cílios vi pender cansaço, um pouco de angústia. E naquele castanho cinzento esculpi a varanda da nossa vida pacata, o estalo de nossas risadas, um mundo perfeito no grampo dos cabelos dela sob o meu travesseiro. / Via-a descalça, parada a uma janela, com uma mão à cintura, outra a alisar cortinas azuis. O rosto pendente denunciando talvez sua curiosidade quase infantil pelo mundo, ou então seu simples gosto pelo vento da manhã a apertar-lhe o corpo. Vi meus braços debruçados nela. Vi meus dias esculpidos nela. / E assim, trancado e perdido dentro de mim, não notei quando a perdi pela porta do veículo. Via-a escorrer por aquelas escadas levando meus berros calados de aflição: “fica!”, “me espera!”, “ei!”, “não!”. Grito, inconformado e inútil. Acabara de desencontrar o que só se acha uma única vez na existência, o universo que só existe de um para um, a realidade despedaçada que podia ser completa. Perdi a mulher da minha vida por me fechar em mim mesmo, à procura dela.

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