domingo, 2 de dezembro de 2007

“A menina dos fósforos”

[conto do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen]



Fazia um frio terrível, nevava e começava a escurecer.
Era a última noite do ano, a noite de Ano Bom. No frio e na escuridão, andava, pela rua, uma garotinha pobre, descalça, de cabeça descoberta. Mas os chinelos eram grandes demais, sua mãe os havia usado antes e, de tão grandes que eram, a menina os perdera ao atravessar a rua correndo, no momento em que dois carros passaram a toda velocidade. Não conseguira encontrar um dos chinelos, e o outro, um rapaz levara dizendo que o usaria como berço quando tivesse filhos.
Lá ia pois, a menina, com os pezinhos nus, arroxeados de frio. Trazia num velho avental certa porção de fósforos e segurava um pacotinho deles na mão. O dia inteirinho ninguém lhe comprara um só palito de fósforo, ninguém lhe dera um níquel. Sofrendo frio e fome, a pobrezinha, andando pela rua, parecia apavorada. Os flocos de neve caíam-lhe sobre os longos cabelos louros, que formavam graciosos cachos em torno da nuca - mas a menina estava longe de pensar em cabelos bonitos.
Todas as janelas estavam iluminadas, e chegava até a rua um aroma delicioso de ganso assado, pois era a noite de Ano Novo. Nisso, sim ela pensava.
Por fim, ela encolheu-se num canto, entre duas casas: uma delas avançava mais sobre a rua que a outra. Sentou-se, envolveu as perninhas, mas continuava a sentir frio. Não tendo vendido um único fósforo, não possuindo um único níquel, não ousava ir para casa, onde o pai bateria nela. Além disso, também fazia frio na casa onde moravam - uma casa sem forro, com o telhado cheio de fendas, por onde o vento sibilava, apesar de haverem tapado muitas delas com palha e trapos. Suas mãozinhas estavam enregeladas. Um pequenino fósforo lhes faria bem. Pudesse ela, com os dedos duros, puxar um fósforo do pacotinho, riscá-lo contra a parede e aquecer os dedos! Conseguiu-o, afinal; tirou um e riscou-o. Como o fósforo ardeu e crepitou! A chama clara e quente parecia uma velinha, quando a envolveu com a mão. Era uma luz estranha. A garotinha imaginou estar sentada em frente a uma grande lareira de ferro, com adornos e um tambor de latão polido. O fogo crepitava alegremente e aquecia tanto... Que beleza! A pequena já ia estendendo os pés para aquecê-los também... quando a chama se apagou e a lareira desapareceu. Ela estava sentada na rua, com um pedacinho de fósforo queimado na mão.
Riscou novo fósforo, que ardeu, claro, brilhante. Onde o clarão incidiu, a parede tornou-se transparente como um véu. Ela viu então o interior da casa, onde estava posta uma mesa, com toalha muito alva e fina porcelana. O ganso assado fumegava, recheado de ameixa e maçãs e, o que foi ainda mais extraordinário, de repente o ganso pulou da travessa e saiu cambaleando pela sala, com o garfo e a faca espetados nas costas. Veio vindo assim até ao pé da menina pobre. Aí o fósforo se apagou, e só se via a parede, grossa e fria.
Ela acendeu outro fósforo. Viu-se sentada sob os ramos da mais linda árvore de Natal. Era ainda maior e mais enfeitada que a árvore que ela vira através da porta envidraçada, na sala do rico negociante, no Natal passado. Milhares de velas ardiam no ramos verdes, e figuras coloridas, como as que adornam as vitrinas das lojas, a fitavam. A pequena estendeu as mãos para o alto - mas nisso o fósforo se apagou. As velas de Natal foram subindo, cada vez mais, e ela viu que eram estrelas cintilantes. Uma delas caiu, traçando um longo risco de fogo no céu.
- Deve ter morrido alguém - disse a pequena.
A velha avó, única pessoa que lhe quisera bem, mas já estava morta, costumava dizer: “Quando uma estrela cai, sobe aos céus uma alma”.
- A menina tornou a riscar um fósforo contra a parede. No clarão produzido em volta, ela viu, radiante e iluminada, a velha avó, meiga e bondosa.
- Vovó! - gritou a pequena. - Leva-me contigo! Sei que não mais estarás aí quando o fósforo se apagar. Desaparecerás, como a boa lareira, o delicioso ganso assado e a grande, linda árvore de Natal!
Riscou às pressas o resto dos fósforos que havia no pacotinho, para ter a avó ali a seu lado e retê-la. O clarão dos fósforos tornou-se mais intenso que a luz do dia. Nunca a avó fora tão grande e bela. Ergueu a manina nos braços e as duas voaram, felizes, para as alturas, onde não havia frio nem fome, nem apreensões, voaram para junto de Deus.
Quando raiou a manhã, muito fria, encontraram ali no cantinho, entre as duas casas, a menina, com as faces coradas e um sorriso a brincar-lhe os lábios. Estava morta, gelada. Morrera de frio na última noite do ano velho. A aurora do Ano Novo brilhava sobre o pequenino cadáver, que jazia com os fósforos nas mãos. Um maço inteiro estava queimado.
- Ela quis se aquecer-se - disseram.
Ninguém sabia que maravilhas ela vira, nem imaginava o esplendor que a cercara, com a velha avó, nas alegrias do Ano Novo.


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